terça-feira, 1 de dezembro de 2015
A Odisseia
A Odisseia é um dos dois principais poemas épicos da Grécia Antiga, escrito por Homero. Esse épico relata o regresso de Ulisses, o humano guerreiro e herói da Guerra de Troia. Essa é a principal proposição, contar a história do “herói de mil estratagemas que tanto vagueou. Depois de ter destruído a acrópole sagrada de Troia, que viu cidades e conheceu costumes de tantos homens e que no mar padeceu mil tormentos, quando lutava pela vida e pelo regresso dos seus companheiros”.
Ulisses levou dezessete anos para chegar a sua terra Ítaca, depois da Guerra de Troia, que durou por sua vez, dez anos. Vejamos o percurso dessa obra maravilhosa que alcança séculos de leitores e admiradores de todas as partes do mundo e que estabeleceu um dos firmes pilares da identidade cultural do povo grego e fincou suas firmes influências no desenvolver de todo o pensamento ocidental.
Personagens Principais:
Odisseu ou Ulisses para os latinos: Rei de Ítaca, filho de Laerte e Anticleia, pai de Telêmaco, marido de Penélope. Odisseu é um guerreiro grego modelo de destemor, força, coragem, inteligência e que se diz independente dos deuses. No final de seu trajeto dificílimo, ele admite o oposto.
Penélope: Esposa de Odisseu, mãe de Telêmaco. A rainha que tece a vestimenta de dia e a desfaz no tear de noite para angariar tempo e não ceder a pressão de escolher pretendente para ocupar o trono vago de seu esposo.
Telêmaco: Filho de Odisseu e Penélope, símbolo da virtude Piedade – aquele que tudo faz pela família, sendo fiel aos deuses e que se importa com a coletividade.
Laerte: Pai de criação de Odisseu, esposo de Anticleia que já se achava grávida e um homem de idade avançada.
Anticleia: mãe de Odisseu, esposa de Laerte, estranhamente apegada a Odisseu, comete suicídio quando o mesmo parte para a guerra, por não suportar sua falta.
Atena: Deusa protetora de Odisseu
Poseidon: Deus dos mares e espírito de oposição ao sucesso de Odisseu
Laocoontes: O sábio vidente de Troia
Calipso: Ninfa do mar, uma poderosa feiticeira que detinha poder sobre a vida e a morte. Apaixonada por Odisseu lhe propõe e imortalidade em troca de seu amor.
Zeus: o Senhor do Olimpo e Deus dos deuses.
Euricleia: velha ama de Odisseu
Eurímaco: Um dos pretendentes de Penélope.
Nestor: rei dos Pilos.
Pisístrato: Filho de Nestor.
Menelau: Rei de Esparta e marido de Helena
Helena: a mulher de estonteante beleza, esposa de Menelau e a causadora do conflito da Guerra de Troia, por ter sido raptada por Páris.
Hermes: o deus mensageiro
Nausícaa: Filha de Alcinoo, rei dos Feácios
Aedo: Proclamadores de epopeias e declamadores profissionais
Circe: poderosa feiticeira que transformava homens em animais
Hades: rei do domínio sombrio dos mortos
Tirésias: sábio cego, que morto ainda profetiza a Odisseu na região abissal
Sereias: mulheres aves de belo canto
A obra incompleta está composta de XXIV Cantos ou Rapsódias.
Canto I: Breve invocação-proposição e inicio da narração
Concílio dos deuses que, reunidos no Olimpo, na ausência de Poseidon, decide que Odisseu, retido por Calipso na ilha Ogigia, regresse a Ítaca. Por sugestão de Atena, o jovem Telêmaco parte em busca de noticias do pai.
Canto II: Telêmaco convoca a Assembleia de Ítaca para ir a Pilos e Esparta. A deusa Atena disfarçada de Mentor o acompanha.
Canto III: São recebidos no palácio de Nestor em Pilos, esse conta-lhes o fim de Agamenone os aconselha a ir a Esparta falar com Menelau.
Canto IV: recebidos em Esparta, passam a conhecer como foi o fim da Guerra de Troia e as circunstâncias do regresso de Menelau. Nesse ínterim, os pretendentes de Penélope em Ítaca armam uma emboscada para Telêmaco.
Canto V: Hermes, designado pelos deuses, chega a Ogigia e fala que a ninfa Calipso deixe Odisseu regressar a Ítaca. Esse então constrói uma jangada e lança-se ao mar, mas é perseguido por Poseidon e acaba naufragando junto a costa dos Feácios, Esquéria.
Canto VI: a jovem princesa Nausícaa, filha do rei Alcinoo vai lavar roupa no rio com as Aias e se depara com Odisseu a quem oferece pronta ajuda, dirigindo-lhe para o palácio real.
Canto VII: Como suplicante Odisseu se dirije a rainha Arete pedindo-lhe ajuda para regressarão seu país e recebe a promessa de ajuda e a hospitalidade.
Canto VIII: Prepara-se um navio que conduzirá Odisseu e é oferecido um banquete. Demódoco o aedo cego canta a “contenda entre Odisseu e Aquiles”. Atingido pelas lembranças, Odisseu chora. Seguem-se os jogos oferecidos por Alcinoo; depois Demódoco volta ao canto com a “história dos amores de Ares e Afrodite”. Trocam-se presentes de hospitalidade. Depois na mesma noite Odisseu pede a Demódoco que lhe cante a “história do cavalo de madeira” e de novo se emociona.
Canto IX: Odisseu revela sua identidade e, a pedido dos Feácios, inicia sua narração das suas aventuras: os lestrigões, lotófagos e o ciclope.
Canto X: continuação da narrativa na ilha de Circe.
Canto XI: Odisseu desce aos infernos para consultar o vidente cego Tirésias, para saber se regressaria a sua Ítaca; fala com heróis e heroínas da Guerra de Troia.
Canto XII: Os episódios das sereias, das vacas do sol e a advertência do oráculo sobre o deus Hélio.
Canto XIII: os marinheiros deixam Odisseu adormecido na sua ilha de Ítaca e partem. Seu navio se petrifica no mar por vingança de Poseidon. Odisseu articula a volta e a vingança dos pretendentes e disfarça-se de mendigo.
Canto XIV: eumeu guardador de porcos do palácio de Odisseu, o recebe porém não o reconhece.
Canto XV: Telêmaco regressa e, com a ajuda de Atena, evita a emboscada dos pretendentes de Penélope.
Canto XVI: Na cabana de Eumeu, enquanto esse foi alertar a Penélope sobre o regresso do filho, Telêmaco é reconhecido por Odisseu.
Canto XVII: Odisseu só foi reconhecido pelo seu velho cão que morre em seguida ao seu retorno. Todos recebem mal o mendigo
Canto XVIII: discussão seguida de uma cena de luta entre Odisseu e um conhecido mendigo de Ítaca de nome Iro. Penélope entusiasma seus pretendentes a darem presentes, prometendo que decidirá em breve qual será o escolhido.
Canto XIX: Odisseu, sem ser reconhecido, garante a Penélope que o dono da casa está para chegar. Euricleia, a antiga ama de Odisseu, lava-lhe os pés e o reconhece por uma cicatriz. Penélope anuncia seu plano para finalmente escolher um dos pretendentes para marido; estranhamente parece ter desistido de esperar pelo regresso de Odisseu.
Canto XX: durante o festim dos pretendentes, sempre insolentes, Odisseu é insultado e maltratado.
Canto XXI: Penélope traz o arco de Odisseu. Terá a sua mão aquele que conseguir fazer passar uma seta pelos buracos de doze machados enfileirados. Só a habilidade militar de Odisseu conseguiria tal feito. E somente ele disfarçado de mendigo acerta.
Canto XXII: Odisseu com a ajuda de Telêmaco do porqueiro e do boiero massacra seus oponentes e maus servidores. Os pretendentes que sobrevivem pedem perdão e prontificam-se a indenizar Odisseu por todo o mal cometido, mas esse permanece inflexível. São poupados apenas o aedo, Fémio e o arauto, enquanto esse massacre perdurou, Penélope dormiu tranquilamente.
Canto XXIII: Penélope reconhece Odisseu somente após esse revelar-lhe segredos de alcova, coisas de cunho íntimo conjugal que somente os dois sabiam.
Canto XXIV: As almas dos pretendentes mortos são conduzidas por Hermes para o Hades. Odisseu visita seu pai Laerte e ao lado do seu filho luta contra as famílias dos pretendentes mortos. A deusa Atena abençoa Odisseu e estabelece a paz.
segunda-feira, 19 de outubro de 2015
Músico e poeta me conquista fácil.
No princípio era o verso.
E o verso fez-se
Dístico,
Hai-kai,
Trova,
Sextilha,
Glosa,
Soneto...
Diversificando-se
Heroicamente lírico
Libertou-se.
O diverso faz bem ao verso!
Manuel de Azevedo
quarta-feira, 7 de outubro de 2015
Reflexões para a vida
NOSSO capricho, NOSSA ilusão, NOSSA miopia.
Entendendo isto, seriamos mais harmoniosos! (a gente lê isso, acha lindo e.....SÓ! Aí, depois a gente morre...)
VERDADE
A porta da verdade estava aberta,
mas só deixava passar
meia pessoa de cada vez.
Assim não era possível atingir toda a verdade,
porque a meia pessoa que entrava
só trazia o perfil de meia verdade.
E sua segunda metade
voltava igualmente com meio perfil.
E os dois meios perfis não coincidiam.
Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta.
Chegaram a um lugar luminoso
onde a verdade esplendia seus fogos.
Era dividida em duas metades,
diferentes uma da outra.
Chegou-se a discutir qual a metade mais bela.
As duas eram totalmente belas.
Mas carecia optar. Cada um optou conforme
seu capricho, sua ilusão, sua miopia.
Carlos Drummond de Andrade ANDRADE, C. D. Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2002.
terça-feira, 1 de setembro de 2015
RETÓRICA EM PAUTA

Significado de Retórica: Literalmente a arte/técnica de bem falar, de usar uma linguagem para comunicar de forma eficaz e persuasiva.
Aristóteles foi o responsável por sistematizar a retórica decompondo-a em quatro partes: a invenção, a disposição, a elocução e a ação.
A invenção seria a busca, pelo orador, de todos os argumentos e meios de persuasão relativos ao tema do seu discurso. A disposição consiste na ordenação desses argumentos no qual resultará a organização interna do discurso. A elocução diz respeito à redação escrita do discurso, ao estilo propriamente dito. Por último vem a ação, que seria a proferição ou enunciação efetiva do discurso com tudo que ele pode implicar em termos de efeito de voz, mímicas e gestos.
Segundo os antigos, são três os gêneros do discurso: judiciário, deliberativo (ou político) e epidícto. O judiciário tem como auditório o tribunal; o deliberativo, a Assembléia (Senado); o epidícto, expectadores.
Também são três os tipos de argumentos definidos por Aristóteles: ethos, pathos e logus. O ethos é o caráter que o orador deve assumir a fim de obter a credibilidade, a confiança do auditório. O pathos é o conjunto de emoções e sentimentos que o orador deve causar no auditório por meio do seu discurso. O logus refere-se à argumentação propriamente dita do discurso. É o aspecto dialético da retórica.
São dois os tipos de provas: extrínsecas e intrínsecas.
As provas extrínsecas são apresentadas antes da invenção: testemunhas, leis, confissões, etc. enquanto que as provas intrínsecas são aquelas criadas pelo próprio orador, tomando por base seu talento pessoal.
O plano-tipo mais clássico ao qual se recorre para fazer o discurso divide-se em quatro partes: exórdio, narração, confirmação e peroração.
O Exórdio é a parte que inicia o discurso e sua função é fazer com que o auditório seja atento e compreensivo.
A narração é a exposição, aparentemente objetiva, dos fatos referentes à causa. É sempre orientada de acordo com as necessidades da acusação ou da defesa.
A confirmação é a parte mais longa. É o conjunto das provas, acrescido de uma refutação, que destrói os argumentos do oponente.
A Peroração é aquilo que é posto no fim do discurso, podendo ser bastante longa. Divide-se em várias partes, dentre elas: a amplificação, a paixão e a recapitulação.
Dentre as quatro partes da retórica, a elocução é aquela que é a mais própria ao orador. Nela reside sua identidade, sua marca pessoal. É o ponto onde a retórica encontra a literatura. Deve obedecer à algumas regras como: escolher o estilo mais adequado ao assunto, ter clareza no seu discurso, adaptando seu estilo ao auditório e ser vivaz, dinâmico, atento em seu discurso.
A ação é o arremate do trabalho retórico, a articulação do discurso. Sem ela o discurso não atingiria o público. Por meio da ação, o orador consegue parecer o que ele quer parecer. Torna-se um verdadeiro ator, podendo até exprimir sentimentos os quais não está sentindo, de fato.
Estamos vivendo dias de escassez de oradores dotados de recursos argumentativos e de retórica pujante. Principalmente no âmbito político.
Referências:
Aristóteles. Retórica. 2.ed.Lisboa: biblioteca de autores clássicos, 2005, Vol. VIII, Tomo I.
segunda-feira, 10 de agosto de 2015
OS 5 ESTÁGIOS PSÍQUICO SEGUNDO KLUBER ROSS
Segundo KUBLER ROSS negação, raiva, depressão, negociação (ou barganha) e aceitação são estágios na evolução psíquica de uma pessoa diante do reconhecimento de que sofre de doença grave ou incurável. Mas isso pode ser possível diante de outros fatores enfrentados na vida cotidiana. Nem todos experimentam todos os estágios, e estes também não seguem uma ordem lógica.
O primeiro estágio: Negação e/ou isolamento - “Não, eu não, não pode ser verdade”. É um dos mecanismos de defesa mais freqüentes por meio do qual a pessoa se protege contra o impacto total do evento. Ajuda a suavizar o impacto de que a perda ou morte são inevitáveis.
O segundo estágio: Raiva - “Não, não é verdade. Porque eu?” A raiva é expressa diante da compreensão de que poderá morrer. Às vezes a cólera poderá ser dirigida a um alvo inadequado. Em vez de ter raiva do que o médico lhe diz, tem raiva do próprio médico.
O terceiro estágio: Barganha / Negociação - “Está bem, mas...” Aceita-se o fato, porém, quer fazer acordos por mais algum tempo. É uma tentativa de adiamento; tem de incluir um prêmio oferecido por um bom comportamento.
O quarto estágio: Depressão - “Sim eu”. Primeiro lamenta-se as coisas do passado, as coisas que não viveu. Depois entra em estado de dor preparatória.
O quinto estágio: Aceitação - “Minha hora está próxima e agora está tudo bem” ou " Tenho que resolver, mais cedo ou mais tarde". KLUBER ROSS descreve este estágio como não feliz, mas tampouco infeliz. É isento de sentimento, mas não é resignação. A pessoa decide que deve superar a barreira da melhor forma possível.
Muitas vezes experimentamos estes estágios em situações corriqueiras de nossas vidas. De certa forma, somos todos terminais, pois nascemos e morremos todos os dias. Casamos, entramos para a faculdade, um trabalho novo, uma cidade nova, insatisfações pessoais, enfim situações que implicam em ganhar/perder, deixar o velho e abrir-se para o novo. Quem não sentiu o impulso de barganhar durante um regime alimentar ou mesmo quando se vê em uma situação que parece não ter solução visível e ai solta um "eu prometo nunca mais"?..
Esse é o ciclo natural da evolução psíquica. Nossa mente é brilhante, quando saudável sempre lança mão dos nossos mecanismos naturais de proteção. Tomamos conhecimento daquilo que suportamos, podemos negar, barganhar, sublimar e assim nos mantermos em equilíbrio. Desta forma trocamos insegurança e medo por fé e coragem, evoluindo na espiral da energia criativa da vida...
terça-feira, 4 de agosto de 2015
Camille Claudel
FICHA TÉCNICA TÍTULO NO BRASIL: Camille Claudel TÍTULO ORIGINAL: Camille Claudel DIREÇÃO: Bruno Nuytten GÊNERO: Drama. ANO: 1988. PAÍS: FRANÇA DURAÇÃO: 175 min. ELENCO: Isabelle Adjani, Gérard Depardieu , Madeleine Robinson , Laurent Grévill Philippe Clévenot Katrine Boorman Maxime Leroux Danièle Lebrun Jean-Pierre Sentier Roger Planchon Aurelle Doazan Madeleine Marie Alain Cuny ...
O filme retrata a vida e a obra da escultora francesa Camille Claudel (08/12/1864 – 19/10/1943). Oriunda de uma família pequeno burguesa, Camille sempre nutriu a paixão pelas artes plásticas, especialmente a área de escultura. Por meio desse trabalho, ela vai conhece o escultor, já reconhecido, Auguste Rodin e consegue tornar-se sua discípula. Trabalhando duro no ateliê, ela se sobressai. Então começa uma relação conflituosa de amor e paixão entre ambos que vai perdurar por anos. Quando ela se transforma em amante do mestre (que já era casado), cai em desgraça junto à sociedade parisiense, embora tenha amigos do porte do compositor Claude Debussy. Rodin já possuía fama de seduzir suas assistentes; mesmo sabendo disso, o amor pela arte acaba aproximando os dois.
Ele a convida oficialmente para ir com ele para Paris e ela aceita passando de "pessoa" à "indivíduo", deixa para trás a crítica de toda uma sociedade e busca a sua vontade individual. Porém, no momento em que, mesmo em Paris, ela é hostilizada por ser amante de Rodin ela começa a abdicar de algumas de suas vontades - até pelo próprio Rodin, que admitia seu talento, porém vendo-o como uma extensão do seu - ela retorna ao posto de pessoa, pois ela continua a agir de acordo com as leis que a sociedade impõe, ela passa a seguir as regras do mundo onde vive, passa a prezar a totalidade social à qual se vincula, sofrendo um “sombreamento” de Rodin, ele sim, o reconhecido.
Dentro do núcleo familiar, apesar de amar o pai e ele expressar sua afeição por ela, Camille tinha uma ligação forte com seu único irmão homem, o escritor Paul Claudel. Jovem anarquista, Paul almejava ser poeta, pois era apaixonado pelas poesias de Arthur Rimbaud, um dos expoentes do Modernismo. Depois de passado os anos ele se converte ao catolicismo e se adapta a sociedade. A mãe de Camille sempre deixava claro sua ojeriza a escultores e a criticava por seguir essa “vocação”.
O romance com Rodin perdurou até a descoberta de estava grávida. Pressiona então ele para que deixe a esposa. Rodin deixa claro que não deixará sua esposa para viver com ela e aí a ruptura se torna inevitável. Acabou abortando, por escolha própria. Depois de desaparecer por dias, ela reaparece, produz uma obra prima digna de um mestre. Ao contemplar o seu talento, os homens para negar sua maestria, disseram que ela era uma bruxa. O trabalho passa a ser o catalizador do seu talento.
Passa a esculpir crianças e uma idosa. Uma nova forma de expressão diferente do que fazia desde então. Rodin reaparece para procurá-la num breve tempo de frágil equilíbrio e mais uma vez ela “balança” e mostra seu trabalho para ele. A dor expressa nas suas esculturas desagrada Rodin e ele a critica duramente por ter mudado seu estilo. Pior do que isso: exige que ela submeta a sua expressão estética ao seu olhar de criticidade e aprovação. Fazendo isso, ele a reduz ao seu lugar social de “mulher”, não a mestre que ele sabia que ela era. Medo talvez de a pupila sobrepujar a arte do mestre, como realmente Camille o faz. Ao contrário de Rodin que sempre valorizou não só o artístico, mas também a remuneração pelo trabalho e produção em larga escala, Camille se nega a vender sua arte dessa maneira tão “capitalista”. Nesse quesito ela se ver diante da nova fase da arte perante o século XX. A arte como maneira de se replicar infinitamente uma peça do original, gerando enormes lucros.
Depois de muitas frustrações, abuso de álcool, tristeza e solidão em demasia, ela compromete sua produção tornando-se “irresponsável” para com seu curador. Seu irmão Paul que se tornara um austero católico praticante “que encontrou a Deus” começa a vislumbrar nas atitudes da sua irmã, a loucura iminente. No fim da vida ela apresenta claros sinais de distúrbios depressivos, inclusive destruindo o próprio trabalho. Destruindo seu trabalho, ela se mostra autodestrutiva.
No meu ponto de vista, percebo essa "loucura" como o que hoje chamamos de 'depressão'. Camille certamente não teve alguém que diagnosticasse este problema e talvez propusesse uma solução para o seu caso como na atualidade, por meio de tratamentos químicos ou psicológicos, justamente pelo falto de que esta doença, ainda, nem era conhecida como tal. Apesar de ter sido diagnosticada como louca Camille era um espírito livre e uma artista de primeira grandeza. Nas suas cartas ela se autodenomina no exílio, desejosa de voltar para casa, fato esse que não ocorreu.
Acredito que ela desejava se adaptar a sociedade de seu tempo- pois ela deseja que Rodin deixe a esposa e case-se com ela -, mas ela sempre se sentia estranha quando o fazia. Tinha o espírito selvagem daqueles que não se deixam ser apreendidos. A única forma de eliminar o problema que ela representava era a excluindo do meio social. Ela não se rendeu ao fervor religioso como seu irmão, disse que seria a mesma, mesmo desprovida de fé. Uma mulher forte que não soube lidar de forma racional com suas emoções e que se autopuniu por ter vivido um amor em toda sua plenitude de vida, coisa para poucos. Em 10 de março de 1913 ela é recolhida ao manicômio. Depois de 30 anos de confinamento, soterrada viva, consciente do que sua família fez, finalmente morreu. Para se ter uma ideia, ela não era mencionada por ninguém da família, até que uma sobrinha neta se interessou em fazer um resgate da ancestral maldita da família, isso com considerável resistência do meio familiar.Camille Claudel foi grande, mestra na arte que expressava seu espírito livre, arte essa que continua transcendendo por gerações.
REFERENCIAS:
http://www.youtube.com/watch?v=fsGAVYfG1XM
http://www.youtube.com/watch?v=Gq_dloKa-fM
http://3.bp.blogspot.com/-eWccjLpGprA/URIG02QizGI/AAAAAAAAC7M/QGeRQJ2jae4/s1600/camille-claudel.jpeg
quarta-feira, 22 de julho de 2015
A Intrusa
Angustiado estou por ti, meu irmão Jônatas. Quão amabilíssimo me eras! Mais maravilhosos me era teu amor do que o amor das mulheres.
II Samuel, 1-26
Dizem (o que é improvável) que a história foi contada por Eduardo, o mais moço dos Nilsen, no velório de Cristiano, o mais velho, que morreu de morte natural, cerca de mil oitocentos e noventa e tantos, em Morón. O fato é que alguém a ouviu de alguém, durante essa longa noite perdida, entre um e outro mate e a repetiu a Santiago Dabove, que a contou a mim. Anos depois, em Turdera, onde a história acontecera, ouvi-a novamente. A segunda versão, um pouco mais longa, confirmava em suam a de Santiago, com as pequenas variações e divergências próprias do caso. Escrevo-a agora porque, se não me engano, ela é uma imagem breve e trágica da índole dos antigos ribeirinhos. Farei isto com probidade, mas já prevejo que cederei à tentação literária de acentuar ou acrescentar algum detalhe.
Em Turdera eram conhecidos como os Nilsen. O vigário me disse que seu antecessor se lembrava, com alguma surpresa, de ter visto em casa dessa gente uma velha Bíblia de capa preta com caracteres góticos; nas últimas páginas chegou a ver nomes e datas escritos a mão. Era o único livro existente na casa. A azarada crônica dos Nilsen perdeu-se como tudo o mais. O casarão, que já não existe, era de tijolo sem reboco; no vestíbulo via-se um pátio de ladrilhos coloridos e outro de terra batida. Afinal de contas, poucas pessoas conseguiram entrar ali; os Nilsen defendiam sua solidão. Nos quartos maltratados dormiam em catres; só tinham luxo com o cavalo, os instrumentos de lavoura, a adaga de lâmina curta e o espalhafato dos sábados com bebidas e brigas. Sei que eram altos e de cabelos avermelhados. A Dinamarca e a Irlanda, das quais nunca tinham ouvido falar circulavam no sangue desses dois crioulos. O bairro temia os vermelhos; e não é impossível que tivessem alguma morte nas costas. Ombro a ombro brigaram certa vez com a polícia. Diz-se que o mais moço brigou com Juan Iberra e não fez feio. Isso, segundo os entendidos, já era muita coisa.
Foram tropeiros, magarefes, ladrões de gado e até mesmo trapaceiros. Tinham fama de avarentos, salvo quando a bebida e o jogo os tornavam generosos. Nada se sabe sobre seus parentes e de onde vieram. Tinham uma carroça e uma junta de bois.
Fisicamente eram diferentes do compadrio cujo apelido de foragido foi dado à Costa Brava. Isto, e o mais que ignoramos, ajuda a compreender porque eram tão unidos. Inimizar-se com um, era contar com dois inimigos.
Os Nilsen eram estouvados, mas suas aventuras amorosas não tinham passado até então da sala de visitas ou então das casas de tolerância. Não faltaram, pois, comentários quando Cristiano levou Juliana Burgos para viver com ele. É verdade que assim ganhavam uma criada, mas também não é menos certo que a cumulou de bugigangas e que a exibia nas festas. Nas pobres festas de pequenos bordéis onde os requebros e a lascívia estavam proibidos e onde se dançava ainda, com muita luz. Juliana era morena e tinha olhos rasgados; bastava que alguém a olhasse para que sorrisse. Num bairro modesto, onde o trabalho e o descaso gastam as mulheres, não era malparecida.
A princípio Eduardo os acompanhava. Depois viajou a Arrecifes para um negócio qualquer; na sua volta, levou para casa uma moça, que encontrara no caminho, mas com poucos dias mandou-a embora. Tornou-se mais carrancudo; embriagava-se sozinho no armazém e não se dava com ninguém Estava apaixonado pela mulher de Cristiano. No bairro, que talvez tenha sabido disto antes dele, previram com uma alegria perversa a rivalidade latente entre os dois irmãos.
Uma noite ao voltar tarde do papo na esquina, Eduardo viu o cavalo de Cristiano amarrado a cerca. No pátio, o mais velho o estava esperando todo ataviado. A mulher ia e vinha com o mate na mão. Cristiano disse a Eduardo:
- vou para uma farra na casa de farias. Aí tens a Juliana; se quiseres, usa-a.
O tom da voz era entre mandão e cordial. Eduardo ficou a olhá-lo durante um certo tempo; não sabia o que fazer. Cristiano levantou-se, despediu-se de Eduardo, mas não de Juliana, que erra apenas uma coisa, montou a cavalo e saiu trotando, sem pressa.
A partir daquela noite a mulher foi compartilhada por eles. Ninguém jamais saberá os pormenores dessa sórdida união que ultrajava o decoro do bairro. O arranjo foi bem por umas semanas, mas não podia durar. Entre eles os irmãos, não pronunciavam o nome de Juliana, nem sequer para chamá-la, mas procuravam, e encontravam, razões para não se por de acordo. Discutiam, por exemplo, a venda de uns couros, mas na verdade tratava-se de outra coisa. Cristiano costumava levantar a voz e Eduardo calava-se. Sem que soubessem, estavam com ciúmes um do outro. Nessas duras redondezas um homem não dizia, nem sequer para si próprio, que se incomodava por causa de uma mulher além do desejo e da posse, mas os dois estavam apaixonados. Isto, de certo modo, os humilhava.
Uma tarde, na praça de Lomas, Eduardo cruzou com Juan Iberra, que o felicitou pelo arranjo perfeito. Foi então, creio, que Eduardo o insultou. Ninguém, na frente dele, ia levar Cristiano ao ridículo.
A mulher atendia aos dois com uma submissão animal; mas não podia esconder uma certa preferência pelo mais moço, que não havia recusado a participação, mas também não a dispusera.
Um dia mandaram que Juliana levasse duas cadeiras para o pátio e que sumisse dali porque precisavam falar um com o outro. Ela esperava uma longa conversa e deitou-se para dormir a sesta, mas dentro de pouco tempo acordaram-na. Mandaram que enchesse uma bolsa com tudo o que tinha, sem esquecer o rosário de vidro e a cruzinha que sua mãe lhe deixara. Sem nada explicar-lhe, mandaram que ela subisse na carroça e empreenderam uma silenciosa e enfadonha viagem. Havia chovido; os caminhos estavam enlameados e devia ser três da madrugada quando chegaram a Morón. Aí venderam-na a dona do bordel. Tudo já havia sido combinado; Cristiano recebeu o dinheiro e depois dividiu-o com o outro.
Em Turdera, os Nilsen, então enredados na teia (que era também uma rotina) daquele monstruoso amor, tentaram retornar a antiga vida. Voltaram à batota, às rinhas de galo, às farras. Talvez tenham acreditado, uma vez ou outra, que estavam salvos, mas cada qual por seu lado, costumavam ausentar-se sem justificativas, ou até muito justificadamente. Pouco antes do fim do ano o mais moço disse que tinha o que fazer na Capital. Cristiano foi para Morón; na cerca da casa que conhecemos reconheceu o cavalo de Eduardo. Entrou. Lá dentro estava o outro, esperando sua vez. Parece que Cristiano lhe disse:
- Continuando assim vamos mais é cansar os cavalos. É melhor que a tenhamos ao alcance de nossa mão.
Falou com a patroa, tirou umas moedas do cinto, e levaram-na. Juliana ia com Cristiano. Eduardo esporeou o malhado para não vê-los.
Voltaram à mesma vida que já se contou. A infame solução fracassara. Os dois haviam cedido à tentação de fazer trapaça. Caim andava por ali, mas o amor dos Nilsen era muito grande – quem sabe que durezas e que perigos haviam compartilhado! – e preferiram descarregar sua exasperação sobre os outros. Com um desconhecido, com os cachorros, com Juliana que havia trazido a discórdia.
O mês de março estava chegando ao fim e o calor não diminuía. Um domingo (nos domingos as pessoas costumam recolher-se cedo) Eduardo, que voltava do armazém, viu que Cristiano atrelava os bois. Cristiano lhe disse:
- Vem, temos que deixar uns couros no Pardo. Já está tudo carregado, vamos aproveitar a fresca.
O comércio de pardo ficava, creio, mais ao sul. Tomaram pelo Caminho das Tropas e depois por um desvio. O campo ia crescendo com a noite.
Contornaram um restolhal; Cristiano jogou fora o cigarro que acendera e disse sem pressa:
- Vamos trabalhar, meu irmão. Depois os carcarás nos ajudarão. Eu a matei hoje. Que fique aqui com suas bugigangas. Já não causará mais dissabores.
Abraçaram-se, quase chorando. Agora estavam ligados por outro laço: a mulher tristemente sacrificada e a obrigação de esquecê-la.
Referências: BORGES, Jorge Luís. O informe de Brodie, Porto Alegre: Globo,1976, p. 09-16.
segunda-feira, 13 de julho de 2015
Il faut poetiser...
A poesia está guardada nas palavras – é tudo que
eu sei
Meu fado é de não saber quase tudo.
Sobre o nada eu tenho profundidades.
Não tenho conexões com a realidade.
Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro.
Para mim poderoso é aquele que descobre as
Insignificâncias (do mundo e as nossas).
Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil.
Fiquei emocionado e chorei.
Sou fraco para elogios.
Manoel de Barros.
Tú que nunca serás...
Sábado fue y capricho el beso dado,
capricho de varón, audaz y fino,
mas fue dulce el capricho masculino
a este mi corazón, lobezno alado.
No es que crea, no creo; si inclinado
sobre mis manos te sentí divino
y me embriagué, comprendo que este vino
no es para mí, mas juego y rueda el dado...
Yo soy esa mujer que vive alerta;
tú, el tremendo varón que se despierta
y es un torrente que se ensancha en río
y más se encrespa mientras corre y poda.
¡Ah, me resisto, mas me tienes toda,
tú, que nunca serás del todo mío!
Alfonsina Stormi.
segunda-feira, 6 de julho de 2015
Mote e vida que segue
Sinto que não vou morrer, vou ser expulsa da vida.
Presa num jogo traçado
Vejo embaçada a sequência
Embaralho a existência
Aperto o copas trincado
Um desígnio de cada lado
Com a razão combalida
Traço as cartas da partida
Sabendo quem vai bater
Sinto que não vou morrer
Vou ser expulsa da vida
Num caminho aquartelado
Com a minha aquiescência
Não adianta a sapiência
Agir de um modo pensado
Regra tem um bocado
Delas não vejo saída
Recebo logo a batida
O coração a estremecer
Sinto que não vou morrer
Vou ser expulsa da vida.
E disse a loucura: quem se sentir normal, levante a hipocrisia.
E disse o texto: quem se sentir riscado, que se apague.
E disse o cético: quem quiser crer que vá, eu to fora!
E disse o romântico: a bola furou, mas ainda sei jogar.
E disse o calhorda: em qualquer lugar eu decepciono.
E disse o indeciso: se eu quiser, eu desisto.
E disse o dissimulado: Qualquer coisa, pode me procurar
E disse o puro: o brilho era de pouca qualidade.
E disse o impuro: vá para la putz que los parius.
E disse a Besta: eu não disse que era assim?
Às vezes eu odeio estar certa....
Reflexos
Essa ideologia de pretensa paz, de eterno bem-estar, de vida leve sem conflitos, da diversão a todo o tempo, essa venda da falsa tranqüilidade é mera fuga e manutenção do conservadorismo mascarado que tenta manter o status das pessoas estanques como que congelados no tempo.
Não há enfrentamentos, não há embates, somente aceitação hipócrita. Só há fugas covardes. Só há o enraizamento na matrix, só há apego ás raízes platônicas. NÃO. Fujo desse estado inerte. Lutas me fortalecem, não há espaço em mim para covardia. Ninguém é 100% feliz, muito menos feliz o tempo todo. Eu gosto é das coisas extensas e em constante evolução.
Azeite-se,
aceite-se,
destile-se.
Estando ardendo,
refresque-se.
Engula se
quiser,
não querendo
exima se
de apontes
vis...
Como dizia minha avó "é muita cacimba engolindo corda!"
quarta-feira, 1 de julho de 2015
Série de Mangás favoritos: Berserk
Berserk é um dos mais antigos mangás ativos da atualidade, deu origem a uma série para a TV e três OVAS (filmes em 2012). Iniciado em 1989, esse clássico tem conquistado gerações de leitores no mundo todo e sou uma das que acompanho essa primorosa obra. Grandioso, espetacular, enredo fascinante, são alguns dos adjetivos que posso elencar a essa obra. Uma história que mescla elementos das narrativas clássicas do ocidente, mitologia antiga, contexto histórico da Inglaterra medieval, com personagens bem construídos e pitadas de horror e sobrenatural dignos de um Lovecraft.
Personagens Marcantes:
Griffith:
O líder do bando do Falcão (sendo o falcão seu símbolo, sua bandeira). Griffith como seu próprio nome diz é um enigma na história. Não há referencial a família, sem passado, as memórias dele se iniciam na infância quando recebe um pingente de uma velha cigana que encontra nas ruas. Esse pingente é o ovo do rei supremo, um Behelit escarlate, um artefato misterioso capaz de invocar a “mão de deus” e que predestina aos que o possui a serem grandes reis e terem a opção de serem “anjos” ou “demônios”.
O sonho de Griffith é ter seu próprio reino. O personagem é um misto do Rei Arthur Pendragon (como líder carismático e guerreiro), Dorian Gray (andrógino, belo, gentil e cativante – fica implícita em várias passagens a sua bissexualidade) e ideologicamente inspirado na obra O Príncipe de Maquiavel. Perspicaz e estrategista de primeira, ele se destaca por essas características e a partir de um pequeno bando de mercenários, montou um exército poderoso e que vende seus serviços para a realeza.
Para se tornar um príncipe demoníaco e comandar as forças sobrenaturais e instaurar seu reino, Griffith “sacrifica” todos aqueles que depositaram em suas mãos suas vidas e lealdade. Os que não foram mortos receberam a marca da maldição, que faz com que os que a possuem sejam perseguidos para todo o sempre por espíritos malignos que almejam devorar suas almas e possuir seus corpos. Personagem dúbio, o mesmo que salva Caska (personagem feminina e vértice do triângulo amoroso entre Guts e ele) e evita seu estupro, é o mesmo que transformado em FEMTO – o de asas negras -, a viola e descarta perante os olhos de Guts como forma de humilhar e feri-lo por amá-la. Traiu a tudo e a todos, mas não traiu a si mesmo e nem ao propósito que se propôs, encerrando em si a eterna contradição humana de ser bom e praticando a maldade, agindo com maldade e beneficiando a muitos.
Palavras do próprio personagem que o definem na obra.
“Lutar e morrer por amor e honra são os maiores desejos de um cavaleiro. Mas para os homens há algo mais importante, algo de sua própria vontade e de mais ninguém: Um sonho. Algo que todos os homens possuem independente de origem ou posses. Pessoas perseguem sonhos, e eles podem sustentar suas vidas, fazê-las sofrer ou lhes dar nova vida e pode até matá-las. E mesmo após abandonarem o sonho, ele continua latente em seus corações. Todos os homens têm um sonho, ao menos uma vez na vida e anseiam tornarem-se mártires do deus que seu sonho se tornou. Continuar vivendo só por ter nascido,eu não suportaria uma vida assim”.
Referindo-se aos seus amigos e comandados:
“Eles são companheiros preciosos com os quais escapei da morte por várias vezes, mas não posso chamá-los de amigos. Amigos não se atêm ao sonho de outro, eles vivem por si mesmos e se alguém se opuser ao sonho deles, eles resistem de coração e alma, mesmo que esse alguém seja eu. Para mim, um amigo é alguém que considero um igual”.
O único homem que fez Griffith sentir o coração bater rápido e pulsante – mesmo depois de ele tornar-se um ser demoníaco -, chorar, vencê-lo num combate, e por tempos fazê-lo desistir do seu sonho foi o Guts. A destemida e fiel guerreira Caska, por mais amor que tivesse não conseguiu e a bela e doce Charlotte, com o qual ele se relaciona para ser sua rainha, tampouco. Sem dúvidas ele é o vilão da história, mas é adorável. Difícil não se deixar seduzir por uma persona tão cativante.
Caska:
A poderosa e destemida Caska foi salva por Griffith ainda na puberdade. Suas lembranças são da tentativa de estupro sofrida e a voz de comando de Griffith ordenando ela tomar a espada e reagir. A menina não tinha razão para lutar, podia ter sido estrangulada e facilmente morrer. Mas ao ver Griffith em sua frente, ele se tornou sua razão de viver, seu sonho. E ele sabia disso. Sempre a tratou como uma pessoa preciosa, como uma irmã talvez. Nunca exigiu favores sexuais, apesar de Caska demonstrar toda sua paixão e ser disposta a fazer qualquer coisa por ele. Ao se dar conta que como mulher ela não o atraia, Caska tornou-se um “homem”, para servir ao bando. Exímia nas artes militares, dona de uma compleição morena e musculosa, ela era admirada e temida pelos homens que a viam como a espada do Griffith. Guts se torna uma pedra na bota da Caska justamente por conseguir atrair a atenção do líder. O ciúme é latente na personagem por ver os dois interagirem tão bem. A raiva dela transborda e por três anos eles não conseguem dialogar mesmo estando no front de guerras. Até que numa batalha, a feminilidade de Caska a torna vulnerável em combate e se não fosse por Guts, certamente ela teria morrido. Febril e menstruada, Caska tem seu corpo exposto e cuidado por Guts e ao se dar conta do que tinha acontecido, ela expõe sua raiva pela sua condição de mulher. E ele por sua vez, desperta para perceber a Mulher que aquela garota era, mesmo sabendo que ela pertencia ao Griffith. No desenrolar da trama ela se entrega ao Guts, mas sua fidelidade e amor estão ligados ao Griffith. Assim, a garota que partilhava o sonho de servir ao líder do bando do falcão, vai ser marcada durante a trajetória da história como um sacrifício, vai ser estuprada por Griffith, vai engravidar e abortar um ser (horrendo) que aparece e desaparece na forma de uma criança, vai perder sua memória, suas habilidades guerreiras, vai ficar vulnerável como uma criança que nem fala, se expressa por guinchos, e vai ser a única razão para Guts continuar vivendo, mesmo ela o odiando. A grande jornada de Caska é para retornar a sua lucidez, roubada por tamanhas tragédias que se abateram sobre ela. Personagem forte e marcante com destino crucial traçado, uma sobrevivente do universo de Berserk.
Guts:
O herói da história, sobrevivente de tragédias similares ás de Caska, ele é um misto de Sir Lancelot, Ulisses da Odisseia e o mito do cavaleiro negro (ele fica conhecido no mundo do enredo como o Espadachim Negro). Guts nasceu de um corpo morto de mulher durante uma incursão militar. A mulher do Gabino – um mercenário itinerante - que não tinha filhos,encontrou o menino no sangue da mãe e apesar do marido afirmar que essa criança era sinal de mau agouro, ela teimou em levar o Guts e não deixá-lo virar comida de chacal. O tempo passou e Guts aprende na tenra infância as artes da espada. Sempre empunhando uma espada maior que sua própria altura, ele se torna um mercenário mirim que dava todo seu lucro para a ambição do Gabino, que após perder a esposa para uma doença que a consumiu lentamente, passa a culpar Guts por todas as coisas ruins que passam a ocorrer na sua existência. Ele “vende” Guts para um companheiro de acampamento por um preço fixo, já que o menino(entre 9 e 10 anos) era virgem e assim, Guts é abusado de forma ultrajante, amordaçado e amarrado, sob o corpo de um verdadeiro monstro, que fala que só está tomando posse daquilo que comprou.
Depois do ocorrido - que deixa dores terríveis na psique de Guts, até o ponto dele lembrar-se desse episódio quando transa pela primeira vez com a Caska, quase a matou lembrando-se do ocorrido-, Ele muda totalmente: mata o seu padrasto e o homem que o violou. O fato de ter sido abusado sexualmente, aumenta seu ódio e desejo de vingança em relação ao Griffith, também mantém sob rédeas restritas seus impulsos sexuais. Desejado por mulheres e até mesmo pela rainha demônio, Guts perambula no limiar entre a lucidez e a loucura, guardando dentro de si uma força sobrenatural em forma de chacal. Perdeu seu braço esquerdo e seu olho direito no dia do banquete do sacrifício, a despeito de todas as expectativas, um humano que luta contra deuses, contra os desígnios de sua morte. Por pertencer ao Griffith, ele e Caska recebem a marca do sacrifício, que o condena a não poder mais dormir durante a noite, mas seu único objetivo é proteger a Caska até ela recuperar sua memória e seu desejo de vingança contra aquele que o traiu enquanto amigo. Ao seu redor, arregimenta-se as forças do bem, consolidados na figura de outros personagens e até de uma pequena bruxa e um elfo que teima em andar com ele, para o curar e aliviar de suas dores.
Guts recebe a Berserk Horme, Uma armadura negra “viva” que consome sua energia vital e sangue em troca do poder para derrotar qualquer hoste sobrenatural. Protegido por Nêmesis, tornou-se do ovacionado capitão do Bando do Falcão em um desconhecido que empunha uma espada maior do que ele mesmo, usa uma prótese mecânica e é cego de um dos olhos, misturado ás multidões de pessoas que fogem dos fronts de guerra. Guts é o mesmo. Bruto, arredio, leal e extremamente corajoso. Sua essência permanece inalterada e sem dúvidas, alcançará patamar superior para poder lutar de igual para igual com o seu opositor. Ao vê-lo depois de anos, Griffith sentiu seu coração inerte e frio, transformado pelo poder sobre humano, pulsar. Excelente figura de herói forjado nos campos de batalhas, nos dilemas mentais humanos, nas tragédias que cercam a vida humana. Vejamos se como Ulisses da Odisseia, ele rejeitará a imortalidade.
Farneze e Sérpico:
Os irmãos Farneze e Sérpico são oriundos de família nobre, ela é herdeira legítima e ele filho bastardo, meio irmão dela por parte de pai. Ele foi salvo por ela na infância e se torna o brinquedo particular da irascível e caprichosa pequena. Uma relação a beira do incesto, em que duas almas perdidas buscam a luz que as liberte das trevas interiores. Ambos se tornam membros do Tribunal do Santo Ofício e membros de um grupo restrito de inquisitores que perseguem e capturam o Espadachim Negro. Farneze ver em Guts a luz que asperge sua densa treva e resolve seguí-lo, independente do seu status e responsabilidade pessoal. Sérpico a segue como seu protetor e guardião. Sérpico é excelente espadachim, só não se iguala a Guts na força. Perigoso, astuto, passa a perceber a mudança íntima de sua irmã no decorrer da jornada. A mimada e voluntariosa Farnezee se torna a protetora e cuidadora de Caska e aprendiz de feiticeira. Guts aceita sua companhia com o intuito de cuidar de Caska, já que ela o odeia e tenta de todos os modos ficar distante dele, colocando-se em perigos inúmeras vezes. O destino dos dois irmãos, que partilham o sangue e a perdição, estão intimamente ligados ao destino do herói da narrativa.
Silke e Isidoro:
A pequena bruxinha responsável pelo controle do "eu" de Guts no uso da Berserk horme, e mestra da magia que prepara a Farneze para ser uma bruxa e Isidoro, o pequeno ladrão que segue Guts na esperança de que ele o ensine as artes da espada. Esses dois são elementos puros e divertidos, responsáveis pela integridade física e psíquica do herói.
Rickert:
O pequeno e corajoso Rickert era membro do antigo bando do Falcão, juntamente com seu irmão mais velho sacrificado no dia do eclipse. O único que não recebeu a marca e ficou responsável por Caska durante dois anos depois do ocorrido. Ele recebeu os corpos quase mortos de Guts e Caska depois do eclipse e se tornou um exímio ferreiro. Adotado por um velho artífice ferreiro e sua neta, Rickert fez um cemitério de espadas para todos os mortos durante o banquete do sacrificio. Mesmo sabendo por Guts o que Griffith fez, esse menino que aos poucos toma a estatura de homem não consegue odiá-lo. Mas se recusa a serví-lo. Deixa bem claro que serve ao Griffith do Bando do Falcão original e não ao Falcão Branco. Humano, fraco, sincero e puro,ele se posiciona diante de Griffith como um homem precoce decidido em fazer o que julga certo e proteger quem ama. E isso ele faz ao lado de Guts. Sua existência é um enigma dentro da história ainda não terminada.
Berserk traz à tona elementos da história universal, da Inglaterra dos Tudor, das relações de poder entre o religioso, o político e os casamentos das casas reais. Mostra cotidianos de pessoas comuns e de pessoas especiais. Trás elementos das obras Sonho de uma noite de verão e Macbeth de Shakespeare, o reino de encanto da magia, de seres fantásticos e sobrenaturais, das bruxas, elfos e seres mitológicos, até os abismos de violências e desejos de vontade e poder que nos faz os únicos seres capazes de percebermos nossa temporalidade. Depois de 26 anos ativo, Berserk ainda tem muito o que desvelar nessa narrativa trágica.
segunda-feira, 22 de junho de 2015
Os Lusíadas
"No mar tanta tormenta e tanto dano,
Tantas vezes a morte apercebida!
Na terra tanta guerra, tanto engano,
Tanta necessidade avorrecida!
Onde pode acolher-se um fraco humano,
Onde terá segura a curta vida,
Que não se arme e se indigne o Céu sereno
Contra um bicho da terra tão pequeno?"
Última estrofe do canto I
Nessa obra Os Lusíadas, o poeta e militar Luís de Camões, nascido na península ibérica, mais precisamente em Portugal, engendra a epopeia dos tempos modernos, no século XVI. Claro fica na estrutura da obra que ele bebe nas fontes de Homero e nelas se inspiram para dar forma seu trabalho, além da lírica medieval e de Dante Alighieri, presente nas abordagens dos vários círculos. Reafirma o ideal defendido do Renascimento: o homem como centro do universo. O humano não como fruto do pecado, mas como ser criador e criativo.
A composição para além do que podemos tomar como literário, reflete sem dúvidas, o conhecimento científico da época, ênfase nos descobrimentos e a ovação dos feitos dos portugueses, povo que estaria predestinado a se constituir como o quinto império, suplantando todos os outros anteriores, cujos domínios em muito ultrapassariam os mundos conhecidos de então.
Toda a narrativa, que começa de igual modo na Ilíada e na Odisseia, in media res, gira em torno da empresa de Vasco da Gama de desbravar o caminho das Índias pelo mar para conseguir os contratos das especiarias com os hindus, sofrendo toda sorte de infortúnio, intervenções divinas de aprovação e de perseguição por parte do concílio dos deuses da mitologia romana. É uma leitura difícil, porém fundamental para entendermos o vínculo que essa literatura de gênesis genuinamente portuguesa, um marco da última flor do Lácio – o português – compõe de suam importância na constituição da latinidade, estabelecendo o laço dos portugueses com os Troianos, ovacionados como os verdadeiros heróis na obra do Tebano.
Ligar os portugueses com as raízes latinas, remetem ás obras que constituíram a identidade desses povos como o foram a Ilíada, a odisseia e a Eneida. E assim Os Lusíadas se propõe a ser também o marco instaurador da identidade portuguesa, vinculando-a aos seus ilustres antepassados.
Estrutura externa:
Os Lusíadas é constituído por dez partes, chamadas de cantos na lírica; Cada canto possui um número variável de estrofes (em média, 110). As estâncias são oitavas, tendo portanto oito versos. A rima é cruzada nos seis primeiros versos e emparelhada nos dois últimos (AB AB AB CC). Cada verso é constituído por dez sílabas métricas (decassilábico), na sua maioria heroicas (acentuadas nas sextas e décimas sílabas).
Estrutura interna:
Proposição - introdução, apresentação do assunto e dos heróis. Invocação - o poeta invoca as ninfas do Tejo e pede-lhes a inspiração para escrever;
Dedicatória - o poeta dedica a obra ao rei D. Sebastião.
Narração - a narrativa da viagem, in medias res, partindo do meio da ação para voltar atrás no tempo e explicar o que aconteceu até ao momento na viagem de Vasco de Gama e na história de Portugal, depois prosseguir na linha temporal.
Por fim, há um epílogo a concluir a obra.
Planos temáticos:
Plano da Viagem - onde se trata da viagem da descoberta do caminho marítimo para a Índia de Vasco da Gama e dos seus marinheiros;
Plano da História de Portugal - são relatados episódios da história dos portugueses;
Plano do Poeta - Camões refere-se a si mesmo enquanto poeta admirador do povo e dos heróis portugueses;
Plano da Mitologia - são descritas as influências e as intervenções dos deuses da mitologia greco-romana na ação dos heróis.
Exposição dos Cantos:
Canto I
Proposição, Invocação e dedicatória;
Concílio dos deuses para decidir se os portugueses devem ou não alcançar seu destino;
A frota de Vasco da Gama chega à Ilha de Moçambique, onde encontram os muçulmanos e enfrentam sua primeira batalha em busca do caminho da Índia;
Passam por Quíloa e então chegam à Mombaça.
Canto II – Chegada a Melinde
Os Lusitanos enfrentam mais uma emboscada em Mombaça e Vênus interfere novamente em favor dos portugueses;
Em seguida, chegam em Melinde, onde são muito bem acolhidos por gente leal e amigável.
Canto III
Vasco da Gama conta ao rei de Melinde a história de Portugal e os feitos lusitanos, de Luso a Viriato, passa para o rei D. Afonso VI de Leão e Castela, D. Teresa e o conde D. Henrique;
Conta também a lenda sobre a batalha de Ourique, fala sobre a Dinastia de Borgonha e a história de Inês de Castro.
Canto IV – A batalha de Ourique
A fabulosa história de amor de Inês de castro e D. Pedro I. “Agora Inês é morta”
Vasco da Gama prossegue a narrativa da história de Portugal. Fala agora da 2.ª Dinastia, desde a Revolução de 1383-1385, até ao momento, do reinado de D. Manuel I, em que a sua armada parte para a Índia.
A batalha de Aljubarrota;
O sonho de Manuel I;
Partida das Naus;
Episódio do Velho do Rastelo.
Canto V
Viagem da armada de Lisboa a Melinde;
Narrativa da grande aventura marítima, em que os marinheiros observaram maravilhados a costa de África, o Cruzeiro do Sul nos céus desconhecidos do novo hemisfério;
Fernão Velozo;
Chegada ao Cabo Das tormentas e o Gigante Adamastor;
Boas novas, doença e mortes;
Exaltação do povo português.
Canto VI
Celebração em Melinde e a pardida da armada;
Baco pede ajuda a Netuno, que convoca um concílio dos deuses marinhos para impedir que os portugueses alcancem seus objetivos;
Fernão Velozo conta a história dos Doze da Inglaterra;
A grande tempestade provocada pelos deuses marinhos;
A armada avista Calecute e o capitão agradece a mercê divina.
Canto VII - A chegada do Gama a Índia.
Nesse canto retrata a chegada do Gama ás terras Indus;ç
Contato com Moçaile, um seguidor de Maomé que tinha conhecimento do Império luso e que lhe oferece hospedagem e serve de interprete;
Por meio dele se trava a transação entre o Gama e o regente da localidade.
Canto VIII - A tentativa de negociação com o rei Catual e a prisão do Gama.
Esse canto expõe as conversas do Gama com o regente Catual;
As referências da origem do povo português com a identidade latina, a imagem dos castelhanos como povo atrasado em relação aos lusos.
Depois de consultar conselheiros acerca da proposta de amizade dos reis lusos, representados pelo Gama, o rei Catual resolve questionar o Gama, acusando-o de impostor e de não acreditar na empresa do mesmo.
Manda prender o Gama e ele só consegue ser liberado depois de pagar fiança para o corrupto regente.
Canto IX- O contrato firmado e a jubilosa volta para a Lusitânia.
Nesse canto os lusos passam por diversos contratempos nas negociações de mercadorias com os Indus pela influência dos sarracenos em impedir que mercadores comprem suas mercadorias, mas somente a dos maometanos e seus produtos trazidos nas naus de Meca.
Por contratempos atribuídos à justiça divina e a atuação de Moçaile, os navios maometanos não chegam e então o contrato tão esperado pelo Gama é firmado entre os comerciantes lusos e os Indus.
Jubilando e exultantes, os lusos voltam a sua pátria, a Lusitânia, protegidos por Tétis e a grande ovação ás deidades gregas.
No encontro dos navegadores, que caçavam na ilha de Vênus no seu retorno, encontram as ninfas que se banhavam nas águas na Ilha dos Amores.
Nas estrofes seguintes, Camões remonta a origem do Fado e de como esse canto triste foi utilizado para conquistar as ninfas, começando por sua rainha. Elemento de significação identitário da nação portuguesa.
Os valorosos são exaltados e na ilha de vênus, recebidos e agraciados
Canto X- O banquete de Tétis.
Esse canto fecha a obra exaltando a honra e a coragem dos lusos e a sorte de fortunas que os cercam pela virtude e valor na empreitada. Interessante observar nesse canto a precisa descrição dos planetas e das esferas planetárias, assim como os diferentes cursos dos planetas e no verso 145 ele exprime tristeza, onde detectamos traços autobiográficos do autor fechando a obra.
Referências:CAMÕES, Luís de. Os Lusíadas. 9.ed.São Paulo: Cultrix, 1993.
segunda-feira, 8 de junho de 2015
Impressões da Ilíada
A afirmação de que “Toda grande obra de Literatura ou é a Ilíada ou é a Odisseia”, vem justamente ao encontro do conceito aristotélico de mimese. Segundo o filósofo a imitação é natural aos homens, e por imitar, os homens se diferem dos outros seres. E por imitar, adquirimos os primeiros conhecimentos. E pela imitação usufruímos do prazer.
Sendo assim, tanto na Ilíada quando na Odisseia, encontramos uma imensidão de elementos que servem de desconstrução e reconstrução para a própria poesia. A primeira, que como a imitação se aplica aos atos das personagens e estas não podem ser senão boas ou ruins (pois os caracteres dispõem-se quase nestas duas categorias apenas, diferindo só pela prática do vício ou da virtude), daí resulta que as personagens são representadas melhores, piores ou iguais a todos nós.
A apresentação da obra Ilíada contempla nossa curiosidade de maneira satisfatória ao andamento narrativo, dando toda a dimensão da querela das deusas pelo título de mais bela, iniciada pela deusa Éris, a disputa que se processou entre Afrodite, Atena e Hera, cuja grande vencedora – Afrodite – foi outorgada o título de mais linda pelo jovem mortal e pastor Páris, recebendo este como prêmio por conceder a vitória a deusa do amor, a mulher mais linda do mundo de então: Helena. Pela posse dessa mulher que se assemelhava a beleza das deusas, se desencadeou a sequência que se segue a guerra de Tróia e o papel do herói Aquiles no desenvolvimento da trama que já começa in media res, ação já ocorrendo e contínua.
O principal foco dessa obra é a figura e a fúria do herói Aquiles, símbolo da ideia de ícone grego de protetor e defensor. Aquiles era um semideus com características antropomórficas, por esse motivo mais próximo da divindade e capaz de questionar e escolher seu destino, coisa que era negada ao reles mortal. Ao mortal cabe apenas se resignar ao desígnio dos deuses e sem escapatória de fuga contra o destino traçado desde o início de sua vida humana. Dentro da narrativa da Ilíada se destacam homens mortais de alto quilate na ostentação de valores similares como é o caso de Heitor e Ulisses, homens com coragem, valor militar, habilidades, agudeza de espírito, perspicácia e no caso de Ulisses, astúcia individual.
O herói Homérico é o modelo daquilo que deve ser seguido, ideal que arregimenta em si a honra – ou seja, a consideração de seus iguais -, o que é belo e o que é bom. Esses ideais de beleza e de bondade eram de suma importância para o grego, visto que por essas características se podia considerar alguém virtuoso.
A guerra na obra de Homero é o elemento mais importante para gerar o herói, pois no caso dos humanos eles sempre estão controlados pelos deuses. No caso de Aquiles, sua fúria suscita a interferência dos deuses, pois se não o fora, o poder de destruição dele não seria contido, mostrando assim como a origem desses seres faz toda a diferença no tratamento que recebem dos favores divinos. A Ilíada também nos proporciona a oportunidade de ver um herói da envergadura dele, somente por sua origem diferenciada possível, questionar a guerra e a concepção de herói instituída pela escola filosófica grega. Afinal, de que serve tanta energia dispensada nessa disputa envolvendo interesses expansionistas gregos e o resgate da mulher de Menelau, se o fim seria a morte? Ele assim reflete quando se defronta com a escolha de ir para a guerra e morrer nela. Mas a outra possibilidade de ter sua memória eternizada o seduz, o desejo extremo do herói pela perpetuação de sua imagem o consome e ele entra na guerra para fazer a balança pender para os gregos.
No fim de seu destino, Aquiles encontra a morte pela flecha atirada de um mortal, mas guiada pelo deus Apolo, em vingança do sangue derramado de seu protegido, Heitor, assassinado e vilipendiado pelo próprio Aquiles. Ele o fez possuído de fúria profunda pelo assassinato de Pátroclo - amigo pessoal e íntimo - executado por Heitor, num campo de batalha, enganado pelo mesmo, que se disfarçava de Aquiles. Foi preciso Zeus intervir, pois Heitor era admirado pelos deuses, assim como pelos humanos.
Assim, Aquiles entra para a galeria dos heróis gregos como aquele que reproduz comportamentos humanos com os quais nos identificamos. Belíssimo clássico, A Ilíada é aquele objeto de arte feito de palavras, do qual gerações sem fim bebem para compor suas ficções.
terça-feira, 5 de maio de 2015
Aniversário
Fernando Pessoa (Álvaro de Campos)
No TEMPO em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.
No TEMPO em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.
Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o acho...)
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!
O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas
lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!
Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,
O aparador com muitas coisas — doces, frutas o resto na sombra debaixo do alçado —,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!...
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...
15/10/1929
Os versos acima, escritos com o heterônimo de Álvaro de Campos, foram extraídos do livro "Fernando Pessoa - Obra Poética", Cia. José Aguilar Editora - Rio de Janeiro, 1972, pg. 379.
Gosto da metáfora da existência, criada por Fernando Pessoa no poema Aniversário. Ele se define como sobrevivente a si próprio, como um fósforo frio... Por não ter atingido ainda tal lucidez advinda de um acúmulo peculiar de primaveras, diria que ainda sou um fósforo quase-frio... Eis aí o problema e a solução.
Há em minh’alma calor na medida em que resisto a ser riscada. Ainda encanta-me a possibilidade de ser fósforo e me oxigena de poder vir a ser riscada e então cumprir minha função existencial pragmaticamente pensada ou NÃO, ou simplesmente continuar a ser um palito de madeira a que colocaram uma peruca fosfórica, sem precisar encarnar sua utilidade. E que beleza reside na pré-coisa! Enxergá-la é sem dúvida o maior bem que me transmitiram os livros: aprender a manter o olhar minimamente ingênuo, minimamente infante, exercer a arte do cuiabano Manoel de Barros de ser criança.
Do contrário, tornar-me-ia fósforo-frio, umidade no corredor de fim de casa, pois assumir meu mundo seria renegar ser eu mesma uma pessoa em eterna mudança como o rio de Heráclito e por fim seguindo a incrível frase de Nietzsche, segundo a qual "Nós, homens do conhecimento, não nos conhecemos; de nós mesmo somos desconhecidos."... Não!
Por isso vou ali, conversar com a pessoa do Pessoa, que figura! De um pastor grego pré-socrático a um herege praticante do paganismo, de um poeta moderno a um poeta que é “o eu menos o raciocínio e a afetividade”. Voltei encharcada, é que ao invés de uma prosa, acabei por me banhar de lucidez da qual não há sais de banho no mundo que me recuperem.
Definitivamente, sou minhas leituras. Que sejam de imagens, de sons, de gestos, de silêncio, de movimentos, de representações. O importante é tentar compreender a capacidade humana de produzir o espetáculo da vida.
todas essas linhas encontrar-me-á aqui, com esse encantamento de mundo, com essa vontade de continuar a caminhada no mundo dos livros, das culturas e das linguagens. Minha existência pede que eu respire o oxigênio das paisagens homéricas, coma dos banquetes de Petrônio, ouça sobre os mitos de Ovídio e Hesíodo, assista às peças de Ésquilo, Sófocles, Eurípides e Aristófanes, enfim, retorne ao mundo dos estudos clássicos que tanto me encanta. Entre o que se inicia e o que se finaliza, chegamos, como bem lembra Heidegger: “Tarde para os deuses, cedo para os homens”. Não quero jamais obliterar minhas raízes.
Sou essas leituras, sou minhas experiências, sou minhas paixões e meus amores. Talvez seja iniciante nesse assunto, mas sim já vivi sentimentos intensos, aquela vontade de estar perto se longe, e mais perto se perto, como tentei me dedicar na deliciosa aventura de se doar ao outro. Nesse sentido volto a Pessoa, como ele, eu, que tantas vezes tenho sido ridícula, absurda, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas, verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo. Então sou só eu que é vil e errônea nesta terra?
Por isso, como todos, não sou nada, nunca serei nada, não posso querer ser nada, mas, à parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo. E, segundo Drummond, Não há tempo consumido nem tempo a economizar. O tempo é todo vestido de amor e tempo de amar. Que assim seja.
Termino, dessarte, com a sensação de que Confieso que he vivido e com o desejo de que que a arte nos aponte uma resposta, mesmo que ela não saiba, e que ninguém a tente complicar, porque é preciso simplicidade pra fazê-la florescer, porque metade de mim é plateia, e a outra metade é canção. E que a minha loucura seja perdoada, porque metade de mim é amor e a outra metade também. Quero a cada momento viver e não ter a vergonha de ser feliz. Cantar e cantar e cantar, a beleza de ser um eterno aprendiz!
segunda-feira, 27 de abril de 2015
Renasça
Renasça
Eu tentei. Eu juro que tentei. Tentei suplantar o desejo de sentar diante desse computador e escrever esse texto, mas fui vencida pelo cansaço, pelos meus demônios interiores. Sei que quando nos falarmos ao telefone daremos voltas e não chegaremos ao cerne da questão, por isso te escrevo.
Te escrevo por que sei que talvez nunca mais nos falaremos, não nos veremos, não nos tocaremos com as ásperas palavras que estabelecem o intenso amor que em tão pouco tempo nos nasceu. Amor não romântico, não compromissado, não confessado, mas verdadeiro. As palavras expressam almas que anseiam viver as pulsões plenas de vida. Vida que a cada ciclo pode vir a terminar, palavras que são mãos invisíveis a sondar corpos que fenecem a cada nova primavera e o detrimento da ânsia por uma maior compreensão de mundo.
As amarras de corda nada se comparam as amarras da vida, da convenção do café frio de nossas manhãs apressadas. As trajetórias do chicote e a dor física vem-nos como alívio de nossa vida negada, nosso anseio de liberdade, nossas dores de alma inconfessáveis.
As mordaças nada se comparam com as da nossa boa educação, dos nossos temores, do nosso medo de errar, de perder a rédea da nossa vida tão bem arrumadinha e mais ou menos, que nos trava os dentes e sufocam nossos gritos emocionais.
Quando entrares naquela sala deseje viver. Viva para me conhecer, para me olhar de cima a baixo e pensar que louco foste em dedicar atenção a essa pessoa tão simplória. Duvidarás do que falaste, escreveste e sentiste. Terá por alucinações esse encontro de almas e rejeitarás de um todo qualquer traço do que poderia ter acontecido, porém não o foi. Deseje viver para fugir. De tudo e de todos e de si mesmo. Ou deseje viver para ser mais sincero e verdadeiro consigo mesmo e com os outros sentindo a fugacidade dessa vida terrena que passa como a neblina.
Viva querido, para me renegar, me rejeitar, me ser indiferente, não aceitando beber as lágrimas que por ti agora derramo. Viva para sorrir, para despertar a dor como a carícia, para preservar o fogo das veias quando liberares o teu prazer pelo desejo de realizar-se independente de com quem estejas. Viva para olhar dentro do abismo e permitir o abismo olhar dentro de ti. Viva para renascer de si mesmo, para negar a pulsão de morte que tão de perto nos rodeia. Viva. Não sobreviva.
A negação de nossa verdadeira natureza nos tornou seres mortos, verdadeiros zumbis perambulando por uma infinita estrada nebulosa de medos. Viva para dizer que isso tudo é bobagem, fruto da minha imaginação e que tudo será sempre como sempre foi. Viva para dizer que nunca me conheceu, nem sabes da minha existência, nem te importas com minhas palavras. Mas viva. Essa é minha marca em Você. Pode deletar, apagar, fingir que não leu. Mas quero que minha voz ecoe dentro de ti. Viva.
Sheila
segunda-feira, 30 de março de 2015
POESIA ESSENCIAL
¿Quiénes son los muertos?
No son los muertos los que en dulce calma
la paz disfrutan de la tumba fría,
muertos son los que tienen muerta el
alma y viven todavía.
No son los muertos, no...los que reciben rayos de luz,
en sus despojos yertos.
Los que mueren con honra son los vivos.
y los que viven sin honra son los muertos.
La vida no es la vida que vivimos,
la vida es el honor, es el recuerdo
Por eso, hay muertos que en el mundo viven
y hombres que viven en el mundo, muertos.
Ricardo Palma.
ADORÁVEL CANALHA
É um defeito, mas nada mais delicioso do que ouvir de uma mulher: “CANALHA!”
Ser chamado de “canalha” por uma voz feminina é o domingo da língua portuguesa. O som reboa redondo. Os lábios da palavra são carnudos. Vontade de morder com os ouvidos. Aproximar-se da porta e apanhar a respiração do quarto pela fechadura.
Canalha, definitivo, como um estampido, como um tapa.
Não ser chamado de canalha pela maldade, mas por mérito da malícia, como virtude da insinuação, pelo atrevimento sugestivo. Não o canalha canalha, mas o Ca-na-lha, sem repetição. Único.Não o canalha que deixa a mulher; o canalha que permanece junto. O canalha adorável que ultrapassou o sinal vermelho para levá-la. O canalha que é rude, nunca por falta de educação, para acentuar a violência do amor. Canalha por opção, não devido á uma infelicidade e limitação intelectual. Canalha em nome da inteligência do corpo.
O canalha. Como elogio. Um elogio para dizer que é impossível domesticar esse homem, é impossível conter, é impossível fugir dele. Canalha como pós graduação do “sem vergonha”.Bem diferente do crápula, que não é sensual e define o mal-caratismo indelével, ou do cafajeste, alguém que não serve nem para ser canalha, de índole egoísta e aproveitadora.
Eu me arrepio ao ouvir canalha. Um canalha que significa o contrário do dicionário. Nem perca tempo consultando o Aurélio ou o Houaiss, que não incluem o sentimento da pronuncia. Estou falando do canalha que suscita aproximação, abraço, desejo. Um canalha que é um pedido de casamento entre as vogais.
É pelas expressões que se definem a segurança masculina. Sempre duvidei de homem que diz que vai fazer xixi. Xixi é coisa de criança. Eu não represo a gargalhada quando um amigo adulto e de vida feita comenta que vai fazer xixi. Imagino o cara sentado. Infantil como Ivo viu a uva. Já urinar é muito laboratorial, Prefiro mijar, direto, rápido e verdadeiro. As árvores mijam. Os relâmpagos mijam. Os cachorros mijam para demarcar seu território. Aliás, o correto é não anunciar, ir ao banheiro apenas, para evitar constrangimentos vocabulares.
Canalha funciona como uma agressão íntima. Uma agressão afetuosa. Uma provocação. Não se está concluindo, é uma pergunta. Canalha é uma interrogação gostosa. Não ficarei triste se você esquecer meu nome, chame-me de canalha.
REFERÊNCIA: CARPINEJAR, Fabrício. CANALHA! – retrato poético e divertido do homem contemporâneo: crônicas, 6.ed., Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2013, 320p.
quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015
AFIRMAR A VIDA
Hoje é um dia muito importante na vida de vocês e generosamente resolveram dividir esse dia comigo. Portanto minhas palavras são de agradecimento pela alegria e felicidade que me proporcionaram ao ser escolhido, por vocês, para ser um dos homenageados desse dia tão significativo. Embora considere que o professor ensina não apenas com suas palavras e idéias, mas também com suas atitudes, com seu corpo, com seu gesto (primeira mensagem que deixaria para vocês que serão professores), hoje disporei das palavras para deixar para vocês algumas orientações, uma espécie de filosofia de vida, aprendida em mais de trinta anos de exercício da profissão de Professor e de Historiador. Recebam essas idéias como o presente que posso lhes oferecer nessa ocasião, façam delas motivo de reflexão e de ação na nova vida que se inicia para vocês.
Valorizem a vida, afirmem a vida a cada dia. Não se deixem levar pelo desejo de morte. Numa sociedade onde as celebrações da morte e o morticínio estão por todo lado, desde a religião até a política, digam sim á vida, valorizem a dádiva de estar vivo, a cada momento. Não se deixem fascinar pelos espetáculos em torno da morte, não se deixem seduzir pelo fascínio do mórbido, que nos assalta todos os dias nos programas de rádio, de TV, nos jornais, que enchem as igrejas e templos, que se esparramam pelas páginas da história. Não cultivem a morbidez, ela leva a doença do corpo e do espírito. Não cultuem ídolos, heróis, deuses, personagens mortos, cultuem o vivo, a vida, a saúde. A historiografia não pode ser um discurso de culto aos mortos, mas um discurso de afirmação do que vive, do que continua vivo. Celebrem a pulsão da vida e não a pulsão de morte. Há muitas maneiras de suicidar-se, não faça de seu dia a dia um lento e interminável suicídio.
Amem e celebrem a existência do Outro, ele é o seu limite, mas também a tua possibilidade. Mas não hipoteques tua vida a ninguém, não abras mão da tua liberdade e de tua individualidade por causa de ninguém, Ninguém merece a a tua anulação, a tua subserviência, a tua nadificação em vida. E se alguém te cobra isso, ele merece menos ainda. Esteja ao lado dos outros, como amigos, como companheiros, como ajudantes em uma difícil jornada como é a vida.
O outro é fundamental para que saibas de tua própria existência, para que te enxergues, mas também pode te levar ao esquecimento de ti mesmo. Adotar a justa distância em relação ao Outro, nunca deixar de estar junto, mas estando sempre separado essa é a arte. Cria para ti espaços de segurança e de afastamento, até para que possas olhar o Outro em perspectiva. Toda promiscuidade e toda a mistura pode resultar em sofrimento. É fundamental amar o Outro, amando acima de tudo a ti mesmo. O aluno, o colega é teu Outro, sem o qual não existirias como professor/a.
Celebre, se alegre, respeite, ame seus alunos, mas ensine a eles a arte da boa distância, da respeitosa convivência, da polida e doce amizade. Instituir e respeitar lugares e espaços éticos é fundamental para as relações. Não necessariamente lugares e espaços hierarquicamente organizados, mas distribuídos de modo a conjurar a a confusão e a balbúrdia. A vida social é feita da instituição de limites e fronteiras. Que haja um limite claro entre a tua vida pública e tua vida privada, íntima, por uma questão de respeito aos outros e a ti mesmo. Devemos saber até onde podemos acompanhar alguém e quando devemos deixá-lo á sós ou pelo caminho.
Não se apeguem ao passado, não vivam de passado. Valorizem e afirmem o único tempo que temos: o presente. No discurso historiográfico, o passado é uma construção feita no presente, para o presente, a serviço do presente. Não vivam de nostalgia e de saudades do que se foi. A melancolia saudosista enfraquece o corpo e o espírito. A história não é escrita ou ensinada para mimar o passado, mas para reelaborá-lo, fazer o luto, superá-lo, esquecê-lo. O passado deve ser uma arma do e no presente, repensado, ressignificado, reescrito. Nem museu vive de passado propriamente dito, mas sua de sua reinscrição e reelaboração.Quem vive querendo retornos ao passado se torna um conservador, uma pessoa reativa, reacionária. O historiador não existe para salvar o passado, mas para fazê-lo passar, para retirar seu peso do presente, dos ombros do presente, dos homens do presente. Questão de higiene!
Também não vivam esperando por um futuro, não vivam da espera e da esperança. O futuro se constrói aqui e agora, no presente. O futuro é uma virtualidade do tempo de agora. Se não o fizeres o que tens ou queres agora, o futuro não te prometerá nada, necessariamente, de diferente. Não deixe de viver hoje por causa de uma promessa messiânica ou utópico de futuro. Não abra mão da imanência da vida em nome de uma transcendência duvidosa. Programar futuros é bom, desde que com os pés bem fincados na realidade do presente. Encarar o presente em sua realidade, tal como ele é, sem fugas para trás em busca do passado, ou para frente no sonho de um futuro, é tarefa indispensável, embora muitas vezes difícil.
Ame seu corpo, sua carne, Abandonem séculos de ódio ao corpo professado por filosofias e religiões. O corpo é sua casa, é sua morada, é seu espaço. Ele deve ser cuidado, alimentado, valorizado. Não desvalorizem sua condição carnal em nome de uma alma desencarnada e descarnada. O que chamamos de alma, nosso espírito ou subjetividade é inseparável do corpo, é uma parte dele. O sábio é aquele que trabalha para dar ao seu corpo mais prazer e menos dores. Numa sociedade mórbida onde se valoriza a dor, onde se afirma o absurdo salvífico e purificador da dor, valorizem o prazer, o gozo e o bem estar. Tenha sabedoria para evitar tudo o que pode trazer dor física e subjetiva. Afastar-se do que ou de quem te produz dor, estar próximo do que ou de quem te apraz, eis o desafio.
Lembrem-se do mestre Epicuro, o prazer é o supremo bem. O prazer não é imoral ou amoral, imoral é a dor, é o sofrimento, é a miséria física e mental, é aquele que sente prazer em sentir infringir a dor. Use os prazeres de modo racional e temperante, a justa medida cabe em todas as coisas. Por que a historiografia tem que ser um desfile de dores? Por que não se pode fazer ou ensinar a história dos prazeres, dos gozos, dos frêmitos e frenesis? Que infelicidade masoquista é essa que leva os historiadores a sentir prazer em narrar e ensinar as desgraças do mundo? Se elas existem e delas temos conhecimento é para tentarmos não repeti-las, embora saibamos que a condição trágica do homem não nos deixa muitas ilusões nesse sentido.
Amem a vida, valorizem as coisas terrenas, materiais, aquilo tudo que está á nossa volta. Deixem de viver no mundo platônico das idéias e dos fantasmas. Até mesmo nossos fantasmas e fantasias como mostrou Freud, têm como nascedouro as coisas materiais e concretas desse mundo. Até nossos sonhos são bricolagens de estilhaços de nossa vida, de nossas experiências. Nossas imagens e devaneios têm na experiência o seu nascedouro. Há quem desvalorize a vida terrena para viver pendurado em uma pretensa vida imaterial e etérea perda de tempo e de vida. A natureza, ao qual nós pertencemos como animais que somos, pode ser uma fonte de beleza e de prazer.Sofremos hoje as conseqüências de séculos de hostilidade do homem contra a natureza, da qual queria ser diferente e superior. Estamos como espécie, ameaçados de desaparecimento. Temos hoje, em sala de aula, a enorme responsabilidade de repensar nossa condição destrutiva e autodestrutiva com o cosmos.
Nosso ódio ao animal em nós, que baseou séculos de civilização e que embasou e legitimou a criação de saberes, técnicas, tecnologias visando nossa humanização ás custas do bicho que somos. Técnicas e tecnologias de disciplina, de controle, de produção de si, nos fez ver a natureza como inimiga combater inclusive a natureza em nós. Daí nossa hostilidade á vontade de potencia, como chamara Nietzsche. A civilização gerou infelicidade, ressentimento má consciência porque nos negou enquanto seres de desejo e de vontade.
Valorizem a dimensão crítica da razão, sua capacidade de instaurar a dúvida, de desconstruir mitos, lugares comuns, explicações do senso comum. Usem a aguda arma da ironia para que não adiram a primeira verdade que te é enunciada. Um Historiador, um professor de História é alguém que ensina, acima de tudo, a desconfiança em relação ás verdades cristalizada no tempo e sobre ele. A Historiografia é uma polemologia, como nos diz Michel Onfray, nada mais do que isso. E isso é muito. Ou seja, ela é um saber que visa a polêmica, a dissensão, ao contraditório, a dialética das idéias. Ela visa instaurar a dissonância no coro dos contentes. A História usa o passado para incidir criticamente sobre as certezas do presente, para abri-lo ás possibilidades de leitura e de interpretação. Essa é a sua dimensão política. Fazer ou ensinar História é tomar posição em uma polêmica, inclusive no interior da disciplina. Não é deter verdades definitivas, não é chegar a versão indiscutível do passado, mas é por sempre em discussão qualquer versão ou verdade construída para o que passou.É tomar posição em uma batalha de idéias e alimentar com elas a ação dos homens no presente. Na sala de aula de história, tal como propunha Michelet, você brinca de cruzar o rio da morte, você propõe uma lúdica que se constitui no gesto de brincar de ir ao passado para de lá olhar de como de fora o presente, dando a ele novas perspectivas.
A Historiografia não é o lugar da veiculação e reafirmação de mitos: sejam nacionais, regionais ou locais, políticos, ideológicos, religiosos, mas de sua problematização. A História não constrói monumentos e mausoléus: ela os põe abaixo. Ela não sacraliza: dessacraliza, torna profano, torna coisa desse mundo a todo e qualquer tema ou acontecimento. Nem mesmo deus e o seu culto deixam de ser reduzidos ao que são: invenções humanas no tempo.
Mas por valorizarem a razão, não esqueçam dos sentimentos e das sensações. Nós humanos somos seres e não apenas pensamos o que fazemos, nossas ações, os acontecimentos, mas sentimos o que nos acontece. Grande parte das ações humanas, matéria prima da História, são motivadas não apenas por decisões racionais, mas por sentimentos e emoções. Grande parte da história humana se passa não sob o tacão da consciência , mas flui a partir dos impulsos do inconsciente. Os sentimentos e as paixões têm história e fazem História, tanto quanto as idéias e projetos racionais. Não esqueçam que seus alunos e colegas são movidos não apenas por argumentos lógicos, embora muitos tentarão te convencer disso, mas também por desejos e sentimentos, muitos deles inconscientes e, alguns, inconfessáveis.
Lembrem-se da sabedoria de Hobbes, vivemos numa sociedade onde o homem é o lobo do próprio homem. Não sejam inocentes, o mundo humanos é feito de conflitos, de guerras, de contradições e de disputas. Os homens nunca foram anjos, nem mesmo anjos decaídos. No seu lugar de trabalho não imperará necessariamente a solidariedade e a paz. Os valores cristãos não são seguidos nem por aqueles que nas sacristias e púlpitos os professam, simplesmente por serem impossíveis para homens humanos. Somos seres da inveja e da vontade de poder. Sabedoria máxima é procurar se distanciar, por superioridade, da fúria cotidiana das vaidades. Dar a outra face ao seu colega, nunca! Ele te baterá novamente, mas virar o rosto, se afastar, deixá-lo falando sozinho com sua inveja e o seu ressentimento. Tenhas sempre mais do que fazer do que ficar perdendo tempo alimentando a má consciência do seu colega. Não adoeças travando batalhas, se colocando em situações conflitivas das quais nada de proveitoso para ti poderá advir. A polidez e a distância são armas que podes usar para evitar muitos dissabores. No popular, não dês murros em ponta de faca, você só se machucará. Procura estar com pessoas, cultivar as amizades, entrar nos lugares que te possam, efetivamente, trazer crescimento pessoal e prazer. Sabedoria antiga das mulheres: as vezes uma boa rabissaca nos livra de muito aborrecimento.
Faça da alegria a medida de todas as coisas. Se você chegou aqui e fazer esse curso te foi alegre, estás no caminho certo. Se entrar numa sala de aula te sentes feliz, estás na profissão correta. Se ao terminar de escrever um texto, a sensação é de gozo , um orgasmos intelectual, prometes como historiador. Se tens o maior tesão diante de um documento, se te dá um gostoso comichão a entrada no arquivo, serás feliz na profissão. Mas, se passaste pelo curso como obrigação, para satisfazer alguém e não a ti mesmo, se entrar em uma sala de aula é mortificante, é uma tortura, desejas que a aula logo acabe ou que nem exista, estás na profissão errada. Se pensas em fazer somente o tempo da aula passar, se não tens prazer no preparo da aula, se adotas como método de trabalho o faz de conta, a enrolação, vais fazer outra coisa,tenha coragem de romper com essa rotina e vais ser feliz exercendo outra profissão.
A vida é curta e só temos ela para desperdiçá-la exercendo uma atividade que nos entristece e amofina. Tenha coragem de começar de novo, se esse não for o teu caminho. Faça da alegria a prova dos nove, como dizia Caetano Veloso, fique com aquilo ou com aqueles que te fazem ser alegres.
E sorria, o riso é a maior arma com que a natureza nos dotou junto com a consciência. E, por sermos seres conscientes, por sermos os únicos seres que têm consciência de sua própria morte, o riso se torna fundamental. Chega de alimentar vales de lágrimas. As artes e literatura do Ocidente adoram fazer chorar, adoram um chororô. Chega da cultura da lágrima. Sejam professores e historiadores ridentes para não serem risíveis ou ridículos. Riam de todas as solenidades, as grandiosidades e as grandezas, pois sois historiadores e a História nos ensina, justamente, que não há solenidade que não guarde em si a baixaria, que não há potência ou grandeza que não esteja fadada á queda e ao declínio. A História nos ensina justamente a aceitar o caráter trágico da existência humana, seu caráter finito e temporal. Não há soberba ou soberania que o tempo não venha a corroer. Até mesmo as divindades, os deuses morrem com o tempo, pois nele foram criadas. Os heróis, embora eternos, estão mortos. Ria das imortalidades e das moralidades, elas são terrenas e, portanto, perecíveis.
Sejam professores e historiadores amigos do riso, da graça, da leveza, da dança, Sejam professores bailarinos ( e quem me conhece sabe que quase danço em sala de aula). Sejam historiadores de peso, mas leves no corpo e no espírito. Evitem as obesidades, as adiposidades na carne e na subjetividade. O que mais pode desejar um homem do que flutuar? Pegue leve sempre. As pessoas pesarosas e cheias de pesadume se arrastam pela vida ou arrastam a vida como um fardo. Não carregue fardos, jogue-os à beira da estrada. Nada que pese, que te amarre, que te empurre para baixo, que te paralise merece ser cultivado. Jogue fora o peso morto ou o morto de peso. As pessoas vivem buscando o céu e esquecem de levantar voo. Hoje esse dia , essa cerimônia seja encarada como o inicio do voo de cada um de vocês. Que o curso tenha dado a cada um asas para voar. Não direi que cada um solte as frangas, mas que alce voo. Para isso, tudo o que pesado, carregado deve ser deixado por terra. Que prefiras eriçar as penas á viver penando, que entre a penitência a penalidade e a penalização, prefiras apenas ser feliz. É o que desejo a todos e todas! Espero que essas minhas poucas palavras possam ter valido a pena! Melhor, espero que elas não tenham valido a pena, mas valido a alegria. Beijos a todos e todas.
Durval Muniz de Albuquerque júnior.
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