terça-feira, 1 de julho de 2014

Resenha sobre a produção cinematográfica de Alexandre o Grande -2004

          
FICHA TÉCNICA
TÍTULO ORIGINAL: Alexandre DIRETOR: Oliver Stone GÊNERO: Drama. ANO: 2004. 
 PAÍS: USA DURAÇÃO: 135 min.
ELENCO:  Aleczander Gordon, Angelina Jolie, Anjali Mehra, Annelise Hesme, Anthony Hopkins, Anthony Jean Marie Kurt, Benny Maslov, Bin Bunluerit, Brian Blessed, Brian McGrath, Chris Aberdein, Christopher Plummer, Colin Farrell, Connor Paolo, David Bedella, Denis Conway, Elliot Cowan, Erol Sander, Féodor Atkine, Fiona O'Shaughnessy, Francisco Bosch, Garrett Lombard, Gary Stretch, Gillian Grueber, Harry Kent, Ian Beattie, Isaac Mullins, Jaran Ngamdee, Jared Leto, Jean Le Duc, Jessie Kamm, John Kavanagh, Jonathan Rhys-Meyers, Joseph Morgan, Kate Elouise, Laird Macintosh, Leighton Morrison, Marie Meyer, Marta Barahona, Matthew Powell...
ROTEIRO: Christopher Kyle, Laeta Kalogridis, Oliver Stone.


O filme em questão começa com o velho Ptolomeu (Anthony Hopkins) sendo o narrador das conquistas e derrotas do personagem histórico vivido por Colin Farrell. Desde a tenra infância, ele foi criado por sua mãe, Olímpia (Angelina Jolie), entre cobras, literalmente. Casada com o rei da Macedônia Felipe II (Val Kilmer), ela é considerada uma bruxa graças ao temperamento forte e seus répteis de estimação. Por não ser uma mulher macedônica, a origem “bastarda” de Alexandre vai-lhe ser lançada em rosto no conflito desencadeado pelo segundo casamento do pai.
Alexandre cresce fascinado por duas coisas que sempre permearam sua existência: a geografia do Velho Mundo e os rapazes. Os ensinos de seu mestre prognosticavam que quando homens deitam juntos por luxúria, ocorria a corrupção. Mas se isso ocorresse por troca de conhecimento e virtude (sêmen) então era considerado um ato puro e excelente. A visão sobre o que hoje consideramos homossexual não possuía a conotação bestial e pejorativa que nossa sociedade ocidental adotou. Porém é importante ressaltar que havia regras para que isso ocorresse. Não podia ser somente uma satisfação dos sentidos. Deveria ser algo mais “excelente”. Interessante esse debate em que o ciúme e o desejo de vingança de Aquiles pelo seu amante obscureceu seus demais atos comprometendo a batalha referida na discussão do velho mestre com os seus pupilos. 
Nas arenas de luta infantil, Alexandre conhece seu primeiro amor: o belo e exímio lutador Heféstio por quem nutre uma longa e duradoura relação homo afetiva. Devido á sua preferência por esse jovem, sua mãe (a sagaz Olímpia) o pressiona para que, aos 19 anos, escolha uma mulher mecedônica para casar e procriar, garantindo assim o seu direito como sucessor de Felipe II. Percebe-se que a mãe sabe dos sentimentos do filho, porém ela é enfática ao dizer-lhe que ele deveria fazer distinção entre os sentimentos e os deveres. O fato de as mulheres comentarem que ele não as apreciava, deixava “brechas” para oposições a sua ascensão ao trono. Mais uma vez vemos que as relações de cunho sexual e afetivo passavam pelo crivo das convenções e que apesar de aparentemente toleráveis, deveriam se restringir as esferas privadas.  
Aos 20 anos, Alexandre começou sua jornada pelas terras conhecidas pelo homem antigo, primeiramente levando seus soldados rumo à Ásia para libertá-la dos domínios persas. Quando se apossa dos domínios de Dario, bem como do seu harém, o que lhe desperta a atenção é a presença de um homem travestido no meio das mulheres. Esse viria a ser seu serviçal pessoal, Bagoa. Nesse universo oriental em que Alexandre se propôs a explorar, ele conheceu aquela que seria sua esposa, Roxana. Não á toa uma mulher bárbara, reflexo de sua ligação íntima com sua mãe, mulher extremamente dominadora com quem mantinha uma dependência psicológica fortíssima e arrisco-me a perscrutar se ele não sentia algo de edipiano pela mesma.  
Apesar de casar-se (diga-se de passagem, contra a vontade do conselho militar que somente queria que fosse uma mulher de origem nobre e macedônica, outro preconceito sofrido pela sua mãe ao qual parece que ele queria exorcizar) e coabitar com a dama, desejando assim trazer á luz um herdeiro, ele parece mais feliz com seu antigo amante, Heféstio (Jared Leto), fiel a Alexandre até a morte. Na noite de núpcias em que a mulher o encontra com o amante, ele confessa que o ama e que por isso poderia ela matá-lo. Dessa forma ele desnuda sua alma para a mulher, que aparentemente compreende o tormento do coração de Alexandre. Nas palavras do personagem, não sabemos se ele disse isso, mas poderia ter dito "há muitas formas de amar". Ele estava cumprindo seu dever enquanto soberano. Isso deveras incomodou os expectadores latino-americanos porque, em nossa cultura, a homossexualidade aparece como uma mancha na valentia do guerreiro.
Nos Estados Unidos e no Brasil, a recepção a Alexandre foi debaixo de uma enxurrada de críticas. Havia um verdadeiro desconforto ao ver uma relação entre Alexandre e Heféstio (nada de conteúdo explicito, somente subjetivo) e a relação dele com o rapaz do harém, o Bagoa. Por trás da acidez das críticas, está sobretudo a dificuldade de aceitar que um herói, cuja ambição e coragem são míticas, não coincida com o estereótipo dominante da virilidade. Pergunta inquieta: quem será o macho e quem será a fêmea do casal? Como fica se ambos são valentes e guerreiros? Além disso, apaixonar-se por uma mulher já é frescura, imagine se for por outro homem. 
Alexandre tinha uma relação "especial" com Olímpia, sua mãe (que assassinou o marido para que Alexandre se tornasse rei). Essa relação quase incestuosa entre Alexandre e Olímpia corresponde ao entendimento comum das causas da homossexualidade. Desde Freud, pensa-se que a homossexualidade masculina seja efeito de um excessivo apego a uma mãe exageradamente protetora. Isso passa a ser visto como um lugar comum visto que as questões envolvendo a sexualidade abarcam fatores complexos e ainda desconhecidos como no campo da biologia, da psicologia e de fatores fenotípicos, etc.. Ninguém pode cientificamente afirmar que, segundo esse pressuposto da influência materna, quem é "fresco" deve ter crescido ao abrigo das saias maternas. Seja como for, essa foi  mais uma razão de mal-estar para os heterodoxos de plantão: o herói guerreiro, além de relacionar-se com Heféstio, era um filhinho da mamãe. Isso é erro crasso que precisa ser evitado.
No tempo em que Alexandre vivia, os sentimentos e as práticas sexuais dele não comprometiam sua virilidade guerreira. A cultura da Grécia antiga admitia um tipo específico de relacionamento homossexual: o amor de um homem (entre 20 e 40 anos) por um jovem (no tempo da puberdade). Na relação, o jovem oferecia devoção e satisfação sexual e ganhava em troca, além do afeto, uma educação moral, intelectual e espiritual. Fora desse quadro, na Grécia antiga, as relações entre homens não eram encorajadas, mas não eram propriamente objeto de censura. Ser "macho" não dependia da escolha do sexo do parceiro. Aquiles, o guerreiro exemplar, além de amores com escravas, tinha uma paixão pelo amigo Pátroclo (também nobre guerreiro). Alexandre vivia seu amor por Heféstio como a réplica do amor entre Aquiles e Pátroclo. 
Os imperadores, por exemplo, dispunham de um paedagogium imperial, cuja função oficial era de servir como escola para jovens que se destinavam ao serviço público, mas que se tornou, às vezes, uma espécie de harém de meninos. Mesma coisa para os amores viris entre Aquiles e Pátroclo: os romanos entenderam a coisa como um vale-tudo. 
Aos 20 anos, Alexandre assumiu o trono da Macedônia, no norte da Grécia de hoje. Nascido em 356 a.C., desde pequeno manuseava lanças, virando chefe de exército antes dos 18 anos. Mas não era um bruto. Nas crises, repetia a Ilíada, o poema de Homero sobre a guerra de Tróia. Não por acaso, discutia literatura, ética e metafísica com desenvoltura: foi discípulo de Aristóteles, um dos maiores pensadores da humanidade. No início do governo, o desafio era derrotar o Império Persa. Ambicioso, superou as expectativas dos súditos e, em 12 anos de lutas, criou uma superpotência ao tomar conta de 90% do mundo então conhecido, expandindo o seu império até a Índia  e a Ásia. 
Fundou 70 cidades, fomentou o comércio e a troca de culturas. Tanto que incentivou o casamento de seus auxiliares com asiáticas, escolhendo a iraniana Roxana para esposa. Caso julgasse necessário, era impiedoso, mas se notabilizou por transformar adversários em aliados e por conduzir os soldados com carisma. Porém, o que desejava mesmo era ser adorado como um deus. A certa altura, deixou de ouvir seus oficiais, perdeu apoio e começou a abusar do álcool. Ao seu lado, permanecia o amigo Heféstio, que se excedeu no vinho até a morte. Alexandre chorou por dias a perda do amado. Com a saúde debilitada pelas guerras, acabou morrendo depois de uma bebedeira, numa festa que durou cinco dias. Tinha 32 anos e não deixou herdeiros, mas seu legado desdobrou-se no surgimento do Império Romano e na expansão do cristianismo. 

 
 

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