Li esse livro na adolescência e agora ao relê-lo, talvez pela idade e experiência vivida, pude compreender diversas coisas que naqueles dias não consegui atinar direito. A história é muito densa e o lado psicológico do leitor, pelo menos o meu, ficou cativado desde o inicio da narrativa. Dorian era um rapaz atencioso, gracioso e afável, e com um caráter sutil e cativante. Tamanha era sua simpatia e beleza que acabou fascinando o pintor Basil Hallward. Sua adoração pelo jovem foi tamanha que ele resolveu imortalizá-lo em uma de suas pinturas. Segundo o próprio artista, o retrato de Dorian seria sua obra prima, seu clímax como artista. Ele tinha por Dorian um sentimento que sobrepujava qualquer interesse financeiro, era uma espécie de idolatria e amor. Basil tecia tantos elogios e falava tanto sobre Dorian que acabou deixando Lorde Henry intrigado sobre quem seria esse extraordinário modelo de Basil. Na leitura fica óbvio que tudo o que Basil sente por Dorian era tão profundo e arrebatador que não tinha definição, percebe-se pelo teor de suas palavras, sua maneira de falar, seus anseios, ele ficou arrebatado, pintava com loucura devotada na presença do lindo Dorian, sentia por ele um amor que transbordava da sua obra. Por isso ele demonstra que não quer expor o quadro, pelo mesmo ter muito de si para revelar. Então Dorian é apresentado a Henry, que com sua astúcia logo adquire um interesse pelo rapaz e sua formosura. Contudo a sua natureza hedonista e a capacidade de persuasão acabaram por despertar os desejos concupiscentes de Dorian, maculando sua natureza bela e infantil. Dorian passa a ver o lado fútil da vida e deseja ardentemente que a sua beleza física dure eternamente.
Certamente não podia deixar de apreciar o belo e gracioso jovem que via a sua frente.[...] As mãos mesmo, suas mãos frescas e brancas, lembrando flores, possuíam um encanto curioso. Tal como a voz, elas pareciam musicais, pareciam ter uma linguagem particular. Atemorizava-se e era vergonhoso temer...” [fluxo de consciência de Dorian Gray, p. 30)Enquanto Basil apresenta o quadro finalizado e ele mesmo se reconhece como um ser seráfico nele, Dorian faz uma prece com todo o ímpeto, expondo o desejo de nunca ficar velho e feio, de nunca perder a beleza etérea e tocante que tanto lhe faz ficar famoso e bem aceito aos olhos da sociedade que agora ele pertence. Lorde Henry, torna-se amigo de Dorian e com os conselhos e suas ideias acaba seduzindo e conduzindo o moço a um caminho sem volta. Acrescento aqui que isso foi possível porque o próprio Dorian tinha represado anseios referentes aos seus impulsos sexuais e o Henry, sabendo disso, não se envergonha de utilizar isso em benefício próprio.
somos punidos pelo que negamos. Cada impulso que tentamos sufocar persevera em nosso íntimo e nos intoxica. O corpo peca, a principio e se satisfaz com o pecado, porque a ação é um modo de purificação. [...] só quando cedemos a tentação, nos desembaraçamos dela. Procure resistir e sua alma há de aspirar doentiamente a tudo do que quiser preservar-se, com a agravação do desejo por aquilo que todas as leis monstruosas tornaram ilegal e monstruoso.[...] O senhor Mr. Gray, com a sua candente mocidade e a sua cândida infância, há de ter tido paixões que o terão espantado, pensamentos que o encheram de terror, dias de sonho e noites de sonho que, simplesmente recordadas, bastarão para fazer subir o rubor ás faces... (Fala de Lorde Henry, p. 28)Nos tempos que se seguem ao estreitamento da amizade de Dorian e Henry, que lhe apresenta a toda a sorte de deleites e excessos, Dorian Gray perde completamente a noção da moral que permeia as relações sociais da Inglaterra do fim do XIX e aquele jovem puro com índole quase infantil é submergido numa poça de lama mundana.
Ele tentaria dominá-lo, como aliás , já havia feito. Faria seu esse ser maravilhoso. Havia qualquer coisa de fascinante nesse filho de Amor e de Morte.( fluxo de consciência de Lorde Henry., p. 44)Esse novo mundo que Dorian frequenta, numa noite de inquietação, passeando pela parte suburbana e marginal da cidade e num teatro vagabundo ele conhece Sibyl Vane, uma atriz de terceira categoria que interpreta algumas personagens famosas. Ele se apaixona por ela, sua atuação o enfeitiça. Ele se impressiona tanto com a moça que por noites seguidas vai vê-la nas apresentações, sentindo-se o mais apaixonado dos homens. Ele cria coragem e se declara para Sibyl e o seu amor é correspondido. Perdido de paixão do que acredita ser o seu primeiro amor, fica noivo da jovem. Mas Dorian busca sempre a aprovação das pessoas. Ele precisa que a garota e seus amigos (principalmente Lorde Henry) se conheçam e que eles a possam a aprovar enquanto atriz. Porém, a situação sai do controle quando ele leva os amigos para vê-la representar e justo nesta noite, muito nervosa, ela atua bem abaixo de seu talento habitual, justamente porque se encontrava afetada pelo amor que sentia por ele. Os amigos saem do teatro e Dorian decepcionado com a noiva a trata de forma cruel, devastadora. Wilde descreve com tanta maestria todo o fervor das palavras de Dorian que arranca de qualquer mulher, um ódio profundo e a vontade de revidar ao tratamento desumano a que é submetida Sybil. A derrota completa de Dorian se dá no momento em que, outra vez, se deixa levar pelos argumentos absurdos de Henry e sem qualquer sentimento de remorso, trata o assunto da morte de Sibyl como se fosse mais uma encenação teatral. A moça arrasada com tudo que ouve de Dorian, bem como seu completo desprezo, se suicida.
"Você foi a Ópera?”, repediu Hallward, falando devagar, com um traço tenso de dor na voz. “Você foi a Ópera enquanto Sibyl Vane jazia morta em um aposento sórdido? Você consegue falar sobre o encantamento de outras mulheres e sobre Patti ter cantado divinamente antes que a mulher que você amava tivesse ao menos a paz do túmulo para dormir? Ora, homem, o pequeno e pálido cadáver de Sibyl há de enfrentar os piores horrores. (P. 128)A partir desse tempo da narrativa, ele que já havia percebido mudanças no retrato pintado por Basil, percebe que o quadro começa assumir fisionomia cruel e pestilenta, ou melhor, a cada mudança da personalidade de Dorian, o quadro se deteriorava. Ele mesmo em si, está cada vez mais viçoso e esplêndido, participa de situações das mais devassas, frequenta lugares sombrios e proibidos para um jovem cavaleiro como ele e um lugar específico das docas onde consome ópio.O tempo parou para ele, não envelhecia e nenhuma ruga manchava seu rosto magnífico, mas o quadro escondido por ele mesmo numa saleta de sua mansão da qual só ele tinha a chave, exalava o odor pútrido de todas as maldades e loucuras cometidas por Gray. Para Dorian o importante a partir daquele momento é que mesmo cometendo todos os pecados e indecências inimagináveis, sua aparência continuaria sendo a do rapaz lindo e imaculado, enquanto o quadro assumiria toda a podridão de sua alma. Ele se torna ainda mais cruel após ler um livro enviado por Henry e o mundo passa a ser um parque de diversões e de devassidão. Nada importa, já que sua beleza continuará imutável. Somente ele sabia o que escondia o quadro e que esse objeto é o que protege seu segredo de juventude eterna. Mas até quando seu corpo e sua alma aguentariam tantas mentiras? até quando a libertinagem saciaria Dorian? Nesse parecer, O retrato de Dorian Gray é um livro filosófico, pois cada página nos mostra o motivo pelo qual foi tão mal visto na época que foi escrito. A cada frase você percebe a luta do autor em falar de sua homossexualidade, de seus desejos no mínimo excêntricos. Não só isso, seria muito injusto falar que Oscar Wilde escreveu essa obra para simplesmente chocar as pessoas sobre suas escolhas sexuais. Em minha opinião fica intrínseca a vontade do autor de mostrar ao mundo como o ser humano pode mudar em função da opinião das outras pessoas. A mudança gritante da personagem principal, de moço ingênuo para um homem cruel e sem moral nos faz perceber que a essência humana é frágil. Refleti com Oscar Wilde sobre os diversos caminhos pelos quais perambula o pensamento filosófico, retratando o antagonismo entre o belo e o feio, o sexo é tratado de maneira velada, no encostar da cadeira, no toque sutil do braço, etc. mas tudo tem um sentido de uma maneira louca.
Ele teria de resto um verdadeiro prazer em observar a transformação. Poderia acompanhar seu espírito pelos pensamentos secretos: o retrato lhe seria o mais magnífico dos espelhos. Como já lha havia revelado o próprio corpo, também lhe revelaria a própria alma. E quando sobre o mesmo quadro se exibissem os efeitos do inverno da vida, nele , seu modelo vivo, resplandeceria a trêmula auréola da primavera e do estio. Quando o sangue lhe viesse a face, deixando atrás uma máscara lívida de giz, ele guardaria o fulgor da adolescência.[...] Uma hora mais tarde, achava-se na ópera, onde Lorde Henry se apoiava ao encosto de sua poltrona” p.106Percebi esses sentidos porque imaginei o próprio autor escrevendo todas as suas aflições, colocando no personagem tudo aquilo que estava vivendo. Tudo que a sociedade daquela época determinava e vivenciava, mas seria só naquela época? Deixo essa interrogação. Apesar de ter alguns títulos publicados, O retrato de Dorian Gray foi o mais famoso livro publicado de Oscar Wilde, que passou dois anos encarcerado, após perder um processo por difamação contra o marquês de Queensberry, pai de Lorde Alfred Douglas por quem ele era perdidamente apaixonado. Após ser posto em liberdade, exilou-se. Wilde morreu em Paris em 1900 na miséria. Quando anos depois, num encontro nas docas, o irmão de Sibyl Vane, James Vane, ouve que ali está o “príncipe encantador”, sai para matar o homem que seria o motivo do suicídio de sua irmã. Mas Dorian mostra que é belo e jovem, não poderia ser o homem que ele procurava. Depois de confirmar que é ele mesmo, Vane vai buscá-lo em uma área de caça de lordes e acaba morto. O destino parece conspirar á favor do belo Dorian. A relação amorosa que ele manteve com Alam Campbell e com a qual faz a chantagem para que o jovem químico (que posteriormente se mata pela vergonha do que fez) dê fim ao corpo de Basil, assassinado pelo próprio Gray é um momento fortíssimo do romance, mostrando a falta de escrúpulos por parte de Dorian. Ele não só se corrompe: ele corrompe também á sua volta. O ódio maior que ele teve de Basil foi por este ter dito o quanto perverso, sem moral e sem escrúpulos ele tinha se tornado. A condição de Dorian, um homem altamente sexual, evidencia-se também pelo gosto de relacionamentos com o mesmo sexo — além de formas heterossexuais de afeto, acrescenta-se a homossexualidade. O que parecia um prazer eterno, reflete uma maldição? A pintura concebe aflição no homem que vê que a beleza não é tudo, nem mesmo o sexo desnorteado — o Dorian aflige-se com seus traços perfeitos, numa vida firmada na mais banal superficialidade da existência vazia. E seu retrato exprime todas as marcas do tempo, do seu comportamento negro ao longo da narrativa. O autor Oscar Wilde desmascara sua sociedade imersa em hipocrisia e perversões de intrigas sociais e sexuais, um estudo sobre a dualidade da prática do mal e da autoconsciência; da sexualidade e de uma ilusão de beleza que nunca é eterna. O final não poderia ser mais perfeito: o belo Dorian se volta para destruir de vez a obra que lhe serve como espelho e assim põe fim ao seu atormentado e perverso caminho. Só foi reconhecido pelos anéis que usava quando seus empregados foram investigar a origem do grito que ouviram no transcorrer da noite e encontram o cadáver deformado de seu senhor. Referências: WILDE, Oscar. O retrato de Dorian Gray. Trad. João do Rio. São Paulo: Martin Claret, 2009. http://www.mixliterario.com/2012/12/resenha-o-retrato-de-dorian-gray-oscar.html#.UxoeA7O2TIU http://vivianeblood.blogspot.com.br/2013/08/resenhas-o-retrato-de-dorian-gray-oscar.html http://apimentario.blogspot.com.br/2010/11/o-pornografo-envaidecido.html
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