segunda-feira, 22 de junho de 2015
Os Lusíadas
"No mar tanta tormenta e tanto dano,
Tantas vezes a morte apercebida!
Na terra tanta guerra, tanto engano,
Tanta necessidade avorrecida!
Onde pode acolher-se um fraco humano,
Onde terá segura a curta vida,
Que não se arme e se indigne o Céu sereno
Contra um bicho da terra tão pequeno?"
Última estrofe do canto I
Nessa obra Os Lusíadas, o poeta e militar Luís de Camões, nascido na península ibérica, mais precisamente em Portugal, engendra a epopeia dos tempos modernos, no século XVI. Claro fica na estrutura da obra que ele bebe nas fontes de Homero e nelas se inspiram para dar forma seu trabalho, além da lírica medieval e de Dante Alighieri, presente nas abordagens dos vários círculos. Reafirma o ideal defendido do Renascimento: o homem como centro do universo. O humano não como fruto do pecado, mas como ser criador e criativo.
A composição para além do que podemos tomar como literário, reflete sem dúvidas, o conhecimento científico da época, ênfase nos descobrimentos e a ovação dos feitos dos portugueses, povo que estaria predestinado a se constituir como o quinto império, suplantando todos os outros anteriores, cujos domínios em muito ultrapassariam os mundos conhecidos de então.
Toda a narrativa, que começa de igual modo na Ilíada e na Odisseia, in media res, gira em torno da empresa de Vasco da Gama de desbravar o caminho das Índias pelo mar para conseguir os contratos das especiarias com os hindus, sofrendo toda sorte de infortúnio, intervenções divinas de aprovação e de perseguição por parte do concílio dos deuses da mitologia romana. É uma leitura difícil, porém fundamental para entendermos o vínculo que essa literatura de gênesis genuinamente portuguesa, um marco da última flor do Lácio – o português – compõe de suam importância na constituição da latinidade, estabelecendo o laço dos portugueses com os Troianos, ovacionados como os verdadeiros heróis na obra do Tebano.
Ligar os portugueses com as raízes latinas, remetem ás obras que constituíram a identidade desses povos como o foram a Ilíada, a odisseia e a Eneida. E assim Os Lusíadas se propõe a ser também o marco instaurador da identidade portuguesa, vinculando-a aos seus ilustres antepassados.
Estrutura externa:
Os Lusíadas é constituído por dez partes, chamadas de cantos na lírica; Cada canto possui um número variável de estrofes (em média, 110). As estâncias são oitavas, tendo portanto oito versos. A rima é cruzada nos seis primeiros versos e emparelhada nos dois últimos (AB AB AB CC). Cada verso é constituído por dez sílabas métricas (decassilábico), na sua maioria heroicas (acentuadas nas sextas e décimas sílabas).
Estrutura interna:
Proposição - introdução, apresentação do assunto e dos heróis. Invocação - o poeta invoca as ninfas do Tejo e pede-lhes a inspiração para escrever;
Dedicatória - o poeta dedica a obra ao rei D. Sebastião.
Narração - a narrativa da viagem, in medias res, partindo do meio da ação para voltar atrás no tempo e explicar o que aconteceu até ao momento na viagem de Vasco de Gama e na história de Portugal, depois prosseguir na linha temporal.
Por fim, há um epílogo a concluir a obra.
Planos temáticos:
Plano da Viagem - onde se trata da viagem da descoberta do caminho marítimo para a Índia de Vasco da Gama e dos seus marinheiros;
Plano da História de Portugal - são relatados episódios da história dos portugueses;
Plano do Poeta - Camões refere-se a si mesmo enquanto poeta admirador do povo e dos heróis portugueses;
Plano da Mitologia - são descritas as influências e as intervenções dos deuses da mitologia greco-romana na ação dos heróis.
Exposição dos Cantos:
Canto I
Proposição, Invocação e dedicatória;
Concílio dos deuses para decidir se os portugueses devem ou não alcançar seu destino;
A frota de Vasco da Gama chega à Ilha de Moçambique, onde encontram os muçulmanos e enfrentam sua primeira batalha em busca do caminho da Índia;
Passam por Quíloa e então chegam à Mombaça.
Canto II – Chegada a Melinde
Os Lusitanos enfrentam mais uma emboscada em Mombaça e Vênus interfere novamente em favor dos portugueses;
Em seguida, chegam em Melinde, onde são muito bem acolhidos por gente leal e amigável.
Canto III
Vasco da Gama conta ao rei de Melinde a história de Portugal e os feitos lusitanos, de Luso a Viriato, passa para o rei D. Afonso VI de Leão e Castela, D. Teresa e o conde D. Henrique;
Conta também a lenda sobre a batalha de Ourique, fala sobre a Dinastia de Borgonha e a história de Inês de Castro.
Canto IV – A batalha de Ourique
A fabulosa história de amor de Inês de castro e D. Pedro I. “Agora Inês é morta”
Vasco da Gama prossegue a narrativa da história de Portugal. Fala agora da 2.ª Dinastia, desde a Revolução de 1383-1385, até ao momento, do reinado de D. Manuel I, em que a sua armada parte para a Índia.
A batalha de Aljubarrota;
O sonho de Manuel I;
Partida das Naus;
Episódio do Velho do Rastelo.
Canto V
Viagem da armada de Lisboa a Melinde;
Narrativa da grande aventura marítima, em que os marinheiros observaram maravilhados a costa de África, o Cruzeiro do Sul nos céus desconhecidos do novo hemisfério;
Fernão Velozo;
Chegada ao Cabo Das tormentas e o Gigante Adamastor;
Boas novas, doença e mortes;
Exaltação do povo português.
Canto VI
Celebração em Melinde e a pardida da armada;
Baco pede ajuda a Netuno, que convoca um concílio dos deuses marinhos para impedir que os portugueses alcancem seus objetivos;
Fernão Velozo conta a história dos Doze da Inglaterra;
A grande tempestade provocada pelos deuses marinhos;
A armada avista Calecute e o capitão agradece a mercê divina.
Canto VII - A chegada do Gama a Índia.
Nesse canto retrata a chegada do Gama ás terras Indus;ç
Contato com Moçaile, um seguidor de Maomé que tinha conhecimento do Império luso e que lhe oferece hospedagem e serve de interprete;
Por meio dele se trava a transação entre o Gama e o regente da localidade.
Canto VIII - A tentativa de negociação com o rei Catual e a prisão do Gama.
Esse canto expõe as conversas do Gama com o regente Catual;
As referências da origem do povo português com a identidade latina, a imagem dos castelhanos como povo atrasado em relação aos lusos.
Depois de consultar conselheiros acerca da proposta de amizade dos reis lusos, representados pelo Gama, o rei Catual resolve questionar o Gama, acusando-o de impostor e de não acreditar na empresa do mesmo.
Manda prender o Gama e ele só consegue ser liberado depois de pagar fiança para o corrupto regente.
Canto IX- O contrato firmado e a jubilosa volta para a Lusitânia.
Nesse canto os lusos passam por diversos contratempos nas negociações de mercadorias com os Indus pela influência dos sarracenos em impedir que mercadores comprem suas mercadorias, mas somente a dos maometanos e seus produtos trazidos nas naus de Meca.
Por contratempos atribuídos à justiça divina e a atuação de Moçaile, os navios maometanos não chegam e então o contrato tão esperado pelo Gama é firmado entre os comerciantes lusos e os Indus.
Jubilando e exultantes, os lusos voltam a sua pátria, a Lusitânia, protegidos por Tétis e a grande ovação ás deidades gregas.
No encontro dos navegadores, que caçavam na ilha de Vênus no seu retorno, encontram as ninfas que se banhavam nas águas na Ilha dos Amores.
Nas estrofes seguintes, Camões remonta a origem do Fado e de como esse canto triste foi utilizado para conquistar as ninfas, começando por sua rainha. Elemento de significação identitário da nação portuguesa.
Os valorosos são exaltados e na ilha de vênus, recebidos e agraciados
Canto X- O banquete de Tétis.
Esse canto fecha a obra exaltando a honra e a coragem dos lusos e a sorte de fortunas que os cercam pela virtude e valor na empreitada. Interessante observar nesse canto a precisa descrição dos planetas e das esferas planetárias, assim como os diferentes cursos dos planetas e no verso 145 ele exprime tristeza, onde detectamos traços autobiográficos do autor fechando a obra.
Referências:CAMÕES, Luís de. Os Lusíadas. 9.ed.São Paulo: Cultrix, 1993.
segunda-feira, 8 de junho de 2015
Impressões da Ilíada
A afirmação de que “Toda grande obra de Literatura ou é a Ilíada ou é a Odisseia”, vem justamente ao encontro do conceito aristotélico de mimese. Segundo o filósofo a imitação é natural aos homens, e por imitar, os homens se diferem dos outros seres. E por imitar, adquirimos os primeiros conhecimentos. E pela imitação usufruímos do prazer.
Sendo assim, tanto na Ilíada quando na Odisseia, encontramos uma imensidão de elementos que servem de desconstrução e reconstrução para a própria poesia. A primeira, que como a imitação se aplica aos atos das personagens e estas não podem ser senão boas ou ruins (pois os caracteres dispõem-se quase nestas duas categorias apenas, diferindo só pela prática do vício ou da virtude), daí resulta que as personagens são representadas melhores, piores ou iguais a todos nós.
A apresentação da obra Ilíada contempla nossa curiosidade de maneira satisfatória ao andamento narrativo, dando toda a dimensão da querela das deusas pelo título de mais bela, iniciada pela deusa Éris, a disputa que se processou entre Afrodite, Atena e Hera, cuja grande vencedora – Afrodite – foi outorgada o título de mais linda pelo jovem mortal e pastor Páris, recebendo este como prêmio por conceder a vitória a deusa do amor, a mulher mais linda do mundo de então: Helena. Pela posse dessa mulher que se assemelhava a beleza das deusas, se desencadeou a sequência que se segue a guerra de Tróia e o papel do herói Aquiles no desenvolvimento da trama que já começa in media res, ação já ocorrendo e contínua.
O principal foco dessa obra é a figura e a fúria do herói Aquiles, símbolo da ideia de ícone grego de protetor e defensor. Aquiles era um semideus com características antropomórficas, por esse motivo mais próximo da divindade e capaz de questionar e escolher seu destino, coisa que era negada ao reles mortal. Ao mortal cabe apenas se resignar ao desígnio dos deuses e sem escapatória de fuga contra o destino traçado desde o início de sua vida humana. Dentro da narrativa da Ilíada se destacam homens mortais de alto quilate na ostentação de valores similares como é o caso de Heitor e Ulisses, homens com coragem, valor militar, habilidades, agudeza de espírito, perspicácia e no caso de Ulisses, astúcia individual.
O herói Homérico é o modelo daquilo que deve ser seguido, ideal que arregimenta em si a honra – ou seja, a consideração de seus iguais -, o que é belo e o que é bom. Esses ideais de beleza e de bondade eram de suma importância para o grego, visto que por essas características se podia considerar alguém virtuoso.
A guerra na obra de Homero é o elemento mais importante para gerar o herói, pois no caso dos humanos eles sempre estão controlados pelos deuses. No caso de Aquiles, sua fúria suscita a interferência dos deuses, pois se não o fora, o poder de destruição dele não seria contido, mostrando assim como a origem desses seres faz toda a diferença no tratamento que recebem dos favores divinos. A Ilíada também nos proporciona a oportunidade de ver um herói da envergadura dele, somente por sua origem diferenciada possível, questionar a guerra e a concepção de herói instituída pela escola filosófica grega. Afinal, de que serve tanta energia dispensada nessa disputa envolvendo interesses expansionistas gregos e o resgate da mulher de Menelau, se o fim seria a morte? Ele assim reflete quando se defronta com a escolha de ir para a guerra e morrer nela. Mas a outra possibilidade de ter sua memória eternizada o seduz, o desejo extremo do herói pela perpetuação de sua imagem o consome e ele entra na guerra para fazer a balança pender para os gregos.
No fim de seu destino, Aquiles encontra a morte pela flecha atirada de um mortal, mas guiada pelo deus Apolo, em vingança do sangue derramado de seu protegido, Heitor, assassinado e vilipendiado pelo próprio Aquiles. Ele o fez possuído de fúria profunda pelo assassinato de Pátroclo - amigo pessoal e íntimo - executado por Heitor, num campo de batalha, enganado pelo mesmo, que se disfarçava de Aquiles. Foi preciso Zeus intervir, pois Heitor era admirado pelos deuses, assim como pelos humanos.
Assim, Aquiles entra para a galeria dos heróis gregos como aquele que reproduz comportamentos humanos com os quais nos identificamos. Belíssimo clássico, A Ilíada é aquele objeto de arte feito de palavras, do qual gerações sem fim bebem para compor suas ficções.
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