quarta-feira, 22 de julho de 2015

A Intrusa


Angustiado estou por ti, meu irmão Jônatas. Quão amabilíssimo me eras! Mais maravilhosos me era teu amor do que o amor das mulheres.
II Samuel, 1-26

Dizem (o que é improvável) que a história foi contada por Eduardo, o mais moço dos Nilsen, no velório de Cristiano, o mais velho, que morreu de morte natural, cerca de mil oitocentos e noventa e tantos, em Morón. O fato é que alguém a ouviu de alguém, durante essa longa noite perdida, entre um e outro mate e a repetiu a Santiago Dabove, que a contou a mim. Anos depois, em Turdera, onde a história acontecera, ouvi-a novamente. A segunda versão, um pouco mais longa, confirmava em suam a de Santiago, com as pequenas variações e divergências próprias do caso. Escrevo-a agora porque, se não me engano, ela é uma imagem breve e trágica da índole dos antigos ribeirinhos. Farei isto com probidade, mas já prevejo que cederei à tentação literária de acentuar ou acrescentar algum detalhe.
Em Turdera eram conhecidos como os Nilsen. O vigário me disse que seu antecessor se lembrava, com alguma surpresa, de ter visto em casa dessa gente uma velha Bíblia de capa preta com caracteres góticos; nas últimas páginas chegou a ver nomes e datas escritos a mão. Era o único livro existente na casa. A azarada crônica dos Nilsen perdeu-se como tudo o mais. O casarão, que já não existe, era de tijolo sem reboco; no vestíbulo via-se um pátio de ladrilhos coloridos e outro de terra batida. Afinal de contas, poucas pessoas conseguiram entrar ali; os Nilsen defendiam sua solidão. Nos quartos maltratados dormiam em catres; só tinham luxo com o cavalo, os instrumentos de lavoura, a adaga de lâmina curta e o espalhafato dos sábados com bebidas e brigas. Sei que eram altos e de cabelos avermelhados. A Dinamarca e a Irlanda, das quais nunca tinham ouvido falar circulavam no sangue desses dois crioulos. O bairro temia os vermelhos; e não é impossível que tivessem alguma morte nas costas. Ombro a ombro brigaram certa vez com a polícia. Diz-se que o mais moço brigou com Juan Iberra e não fez feio. Isso, segundo os entendidos, já era muita coisa.
Foram tropeiros, magarefes, ladrões de gado e até mesmo trapaceiros. Tinham fama de avarentos, salvo quando a bebida e o jogo os tornavam generosos. Nada se sabe sobre seus parentes e de onde vieram. Tinham uma carroça e uma junta de bois.
Fisicamente eram diferentes do compadrio cujo apelido de foragido foi dado à Costa Brava. Isto, e o mais que ignoramos, ajuda a compreender porque eram tão unidos. Inimizar-se com um, era contar com dois inimigos.
Os Nilsen eram estouvados, mas suas aventuras amorosas não tinham passado até então da sala de visitas ou então das casas de tolerância. Não faltaram, pois, comentários quando Cristiano levou Juliana Burgos para viver com ele. É verdade que assim ganhavam uma criada, mas também não é menos certo que a cumulou de bugigangas e que a exibia nas festas. Nas pobres festas de pequenos bordéis onde os requebros e a lascívia estavam proibidos e onde se dançava ainda, com muita luz. Juliana era morena e tinha olhos rasgados; bastava que alguém a olhasse para que sorrisse. Num bairro modesto, onde o trabalho e o descaso gastam as mulheres, não era malparecida.
A princípio Eduardo os acompanhava. Depois viajou a Arrecifes para um negócio qualquer; na sua volta, levou para casa uma moça, que encontrara no caminho, mas com poucos dias mandou-a embora. Tornou-se mais carrancudo; embriagava-se sozinho no armazém e não se dava com ninguém Estava apaixonado pela mulher de Cristiano. No bairro, que talvez tenha sabido disto antes dele, previram com uma alegria perversa a rivalidade latente entre os dois irmãos.
Uma noite ao voltar tarde do papo na esquina, Eduardo viu o cavalo de Cristiano amarrado a cerca. No pátio, o mais velho o estava esperando todo ataviado. A mulher ia e vinha com o mate na mão. Cristiano disse a Eduardo:
- vou para uma farra na casa de farias. Aí tens a Juliana; se quiseres, usa-a.
O tom da voz era entre mandão e cordial. Eduardo ficou a olhá-lo durante um certo tempo; não sabia o que fazer. Cristiano levantou-se, despediu-se de Eduardo, mas não de Juliana, que erra apenas uma coisa, montou a cavalo e saiu trotando, sem pressa.
A partir daquela noite a mulher foi compartilhada por eles. Ninguém jamais saberá os pormenores dessa sórdida união que ultrajava o decoro do bairro. O arranjo foi bem por umas semanas, mas não podia durar. Entre eles os irmãos, não pronunciavam o nome de Juliana, nem sequer para chamá-la, mas procuravam, e encontravam, razões para não se por de acordo. Discutiam, por exemplo, a venda de uns couros, mas na verdade tratava-se de outra coisa. Cristiano costumava levantar a voz e Eduardo calava-se. Sem que soubessem, estavam com ciúmes um do outro. Nessas duras redondezas um homem não dizia, nem sequer para si próprio, que se incomodava por causa de uma mulher além do desejo e da posse, mas os dois estavam apaixonados. Isto, de certo modo, os humilhava.
Uma tarde, na praça de Lomas, Eduardo cruzou com Juan Iberra, que o felicitou pelo arranjo perfeito. Foi então, creio, que Eduardo o insultou. Ninguém, na frente dele, ia levar Cristiano ao ridículo.
A mulher atendia aos dois com uma submissão animal; mas não podia esconder uma certa preferência pelo mais moço, que não havia recusado a participação, mas também não a dispusera.
Um dia mandaram que Juliana levasse duas cadeiras para o pátio e que sumisse dali porque precisavam falar um com o outro. Ela esperava uma longa conversa e deitou-se para dormir a sesta, mas dentro de pouco tempo acordaram-na. Mandaram que enchesse uma bolsa com tudo o que tinha, sem esquecer o rosário de vidro e a cruzinha que sua mãe lhe deixara. Sem nada explicar-lhe, mandaram que ela subisse na carroça e empreenderam uma silenciosa e enfadonha viagem. Havia chovido; os caminhos estavam enlameados e devia ser três da madrugada quando chegaram a Morón. Aí venderam-na a dona do bordel. Tudo já havia sido combinado; Cristiano recebeu o dinheiro e depois dividiu-o com o outro.
Em Turdera, os Nilsen, então enredados na teia (que era também uma rotina) daquele monstruoso amor, tentaram retornar a antiga vida. Voltaram à batota, às rinhas de galo, às farras. Talvez tenham acreditado, uma vez ou outra, que estavam salvos, mas cada qual por seu lado, costumavam ausentar-se sem justificativas, ou até muito justificadamente. Pouco antes do fim do ano o mais moço disse que tinha o que fazer na Capital. Cristiano foi para Morón; na cerca da casa que conhecemos reconheceu o cavalo de Eduardo. Entrou. Lá dentro estava o outro, esperando sua vez. Parece que Cristiano lhe disse:
- Continuando assim vamos mais é cansar os cavalos. É melhor que a tenhamos ao alcance de nossa mão.
Falou com a patroa, tirou umas moedas do cinto, e levaram-na. Juliana ia com Cristiano. Eduardo esporeou o malhado para não vê-los.
Voltaram à mesma vida que já se contou. A infame solução fracassara. Os dois haviam cedido à tentação de fazer trapaça. Caim andava por ali, mas o amor dos Nilsen era muito grande – quem sabe que durezas e que perigos haviam compartilhado! – e preferiram descarregar sua exasperação sobre os outros. Com um desconhecido, com os cachorros, com Juliana que havia trazido a discórdia.
O mês de março estava chegando ao fim e o calor não diminuía. Um domingo (nos domingos as pessoas costumam recolher-se cedo) Eduardo, que voltava do armazém, viu que Cristiano atrelava os bois. Cristiano lhe disse:
- Vem, temos que deixar uns couros no Pardo. Já está tudo carregado, vamos aproveitar a fresca.
O comércio de pardo ficava, creio, mais ao sul. Tomaram pelo Caminho das Tropas e depois por um desvio. O campo ia crescendo com a noite.
Contornaram um restolhal; Cristiano jogou fora o cigarro que acendera e disse sem pressa:
- Vamos trabalhar, meu irmão. Depois os carcarás nos ajudarão. Eu a matei hoje. Que fique aqui com suas bugigangas. Já não causará mais dissabores.
Abraçaram-se, quase chorando. Agora estavam ligados por outro laço: a mulher tristemente sacrificada e a obrigação de esquecê-la.

Referências: BORGES, Jorge Luís. O informe de Brodie, Porto Alegre: Globo,1976, p. 09-16.





segunda-feira, 13 de julho de 2015

Il faut poetiser...



A poesia está guardada nas palavras – é tudo que
eu sei
Meu fado é de não saber quase tudo.
Sobre o nada eu tenho profundidades.
Não tenho conexões com a realidade.
Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro.
Para mim poderoso é aquele que descobre as
Insignificâncias (do mundo e as nossas).
Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil.
Fiquei emocionado e chorei.
Sou fraco para elogios.


Manoel de Barros.

Tú que nunca serás...





Sábado fue y capricho el beso dado,
capricho de varón, audaz y fino,
mas fue dulce el capricho masculino
a este mi corazón, lobezno alado.

No es que crea, no creo; si inclinado
sobre mis manos te sentí divino
y me embriagué, comprendo que este vino
no es para mí, mas juego y rueda el dado...

Yo soy esa mujer que vive alerta;
tú, el tremendo varón que se despierta
y es un torrente que se ensancha en río

y más se encrespa mientras corre y poda.
¡Ah, me resisto, mas me tienes toda,
tú, que nunca serás del todo mío!


Alfonsina Stormi.

segunda-feira, 6 de julho de 2015

Mote e vida que segue


Sinto que não vou morrer, vou ser expulsa da vida.

Presa num jogo traçado
Vejo embaçada a sequência
Embaralho a existência
Aperto o copas trincado
Um desígnio de cada lado
Com a razão combalida
Traço as cartas da partida
Sabendo quem vai bater
Sinto que não vou morrer
Vou ser expulsa da vida

Num caminho aquartelado
Com a minha aquiescência
Não adianta a sapiência
Agir de um modo pensado
Regra tem um bocado
Delas não vejo saída
Recebo logo a batida
O coração a estremecer
Sinto que não vou morrer
Vou ser expulsa da vida.



E disse a loucura: quem se sentir normal, levante a hipocrisia.
E disse o texto: quem se sentir riscado, que se apague.
E disse o cético: quem quiser crer que vá, eu to fora!
E disse o romântico: a bola furou, mas ainda sei jogar.
E disse o calhorda: em qualquer lugar eu decepciono.
E disse o indeciso: se eu quiser, eu desisto.
E disse o dissimulado: Qualquer coisa, pode me procurar
E disse o puro: o brilho era de pouca qualidade.
E disse o impuro: vá para la putz que los parius.
E disse a Besta: eu não disse que era assim?

Às vezes eu odeio estar certa....

Reflexos


Essa ideologia de pretensa paz, de eterno bem-estar, de vida leve sem conflitos, da diversão a todo o tempo, essa venda da falsa tranqüilidade é mera fuga e manutenção do conservadorismo mascarado que tenta manter o status das pessoas estanques como que congelados no tempo.
Não há enfrentamentos, não há embates, somente aceitação hipócrita. Só há fugas covardes. Só há o enraizamento na matrix, só há apego ás raízes platônicas. NÃO. Fujo desse estado inerte. Lutas me fortalecem, não há espaço em mim para covardia. Ninguém é 100% feliz, muito menos feliz o tempo todo. Eu gosto é das coisas extensas e em constante evolução.

Azeite-se,
aceite-se,
destile-se.
Estando ardendo,
refresque-se.
Engula se
quiser,
não querendo
exima se
de apontes
vis...

Como dizia minha avó "é muita cacimba engolindo corda!"

quarta-feira, 1 de julho de 2015

Série de Mangás favoritos: Berserk


Berserk é um dos mais antigos mangás ativos da atualidade, deu origem a uma série para a TV e três OVAS (filmes em 2012). Iniciado em 1989, esse clássico tem conquistado gerações de leitores no mundo todo e sou uma das que acompanho essa primorosa obra. Grandioso, espetacular, enredo fascinante, são alguns dos adjetivos que posso elencar a essa obra. Uma história que mescla elementos das narrativas clássicas do ocidente, mitologia antiga, contexto histórico da Inglaterra medieval, com personagens bem construídos e pitadas de horror e sobrenatural dignos de um Lovecraft.

Personagens Marcantes:

Griffith:


O líder do bando do Falcão (sendo o falcão seu símbolo, sua bandeira). Griffith como seu próprio nome diz é um enigma na história. Não há referencial a família, sem passado, as memórias dele se iniciam na infância quando recebe um pingente de uma velha cigana que encontra nas ruas. Esse pingente é o ovo do rei supremo, um Behelit escarlate, um artefato misterioso capaz de invocar a “mão de deus” e que predestina aos que o possui a serem grandes reis e terem a opção de serem “anjos” ou “demônios”.
O sonho de Griffith é ter seu próprio reino. O personagem é um misto do Rei Arthur Pendragon (como líder carismático e guerreiro), Dorian Gray (andrógino, belo, gentil e cativante – fica implícita em várias passagens a sua bissexualidade) e ideologicamente inspirado na obra O Príncipe de Maquiavel. Perspicaz e estrategista de primeira, ele se destaca por essas características e a partir de um pequeno bando de mercenários, montou um exército poderoso e que vende seus serviços para a realeza.
Para se tornar um príncipe demoníaco e comandar as forças sobrenaturais e instaurar seu reino, Griffith “sacrifica” todos aqueles que depositaram em suas mãos suas vidas e lealdade. Os que não foram mortos receberam a marca da maldição, que faz com que os que a possuem sejam perseguidos para todo o sempre por espíritos malignos que almejam devorar suas almas e possuir seus corpos. Personagem dúbio, o mesmo que salva Caska (personagem feminina e vértice do triângulo amoroso entre Guts e ele) e evita seu estupro, é o mesmo que transformado em FEMTO – o de asas negras -, a viola e descarta perante os olhos de Guts como forma de humilhar e feri-lo por amá-la. Traiu a tudo e a todos, mas não traiu a si mesmo e nem ao propósito que se propôs, encerrando em si a eterna contradição humana de ser bom e praticando a maldade, agindo com maldade e beneficiando a muitos.
Palavras do próprio personagem que o definem na obra.
“Lutar e morrer por amor e honra são os maiores desejos de um cavaleiro. Mas para os homens há algo mais importante, algo de sua própria vontade e de mais ninguém: Um sonho. Algo que todos os homens possuem independente de origem ou posses. Pessoas perseguem sonhos, e eles podem sustentar suas vidas, fazê-las sofrer ou lhes dar nova vida e pode até matá-las. E mesmo após abandonarem o sonho, ele continua latente em seus corações. Todos os homens têm um sonho, ao menos uma vez na vida e anseiam tornarem-se mártires do deus que seu sonho se tornou. Continuar vivendo só por ter nascido,eu não suportaria uma vida assim”.
Referindo-se aos seus amigos e comandados:
“Eles são companheiros preciosos com os quais escapei da morte por várias vezes, mas não posso chamá-los de amigos. Amigos não se atêm ao sonho de outro, eles vivem por si mesmos e se alguém se opuser ao sonho deles, eles resistem de coração e alma, mesmo que esse alguém seja eu. Para mim, um amigo é alguém que considero um igual”.
O único homem que fez Griffith sentir o coração bater rápido e pulsante – mesmo depois de ele tornar-se um ser demoníaco -, chorar, vencê-lo num combate, e por tempos fazê-lo desistir do seu sonho foi o Guts. A destemida e fiel guerreira Caska, por mais amor que tivesse não conseguiu e a bela e doce Charlotte, com o qual ele se relaciona para ser sua rainha, tampouco. Sem dúvidas ele é o vilão da história, mas é adorável. Difícil não se deixar seduzir por uma persona tão cativante.


Caska:


A poderosa e destemida Caska foi salva por Griffith ainda na puberdade. Suas lembranças são da tentativa de estupro sofrida e a voz de comando de Griffith ordenando ela tomar a espada e reagir. A menina não tinha razão para lutar, podia ter sido estrangulada e facilmente morrer. Mas ao ver Griffith em sua frente, ele se tornou sua razão de viver, seu sonho. E ele sabia disso. Sempre a tratou como uma pessoa preciosa, como uma irmã talvez. Nunca exigiu favores sexuais, apesar de Caska demonstrar toda sua paixão e ser disposta a fazer qualquer coisa por ele. Ao se dar conta que como mulher ela não o atraia, Caska tornou-se um “homem”, para servir ao bando. Exímia nas artes militares, dona de uma compleição morena e musculosa, ela era admirada e temida pelos homens que a viam como a espada do Griffith. Guts se torna uma pedra na bota da Caska justamente por conseguir atrair a atenção do líder. O ciúme é latente na personagem por ver os dois interagirem tão bem. A raiva dela transborda e por três anos eles não conseguem dialogar mesmo estando no front de guerras. Até que numa batalha, a feminilidade de Caska a torna vulnerável em combate e se não fosse por Guts, certamente ela teria morrido. Febril e menstruada, Caska tem seu corpo exposto e cuidado por Guts e ao se dar conta do que tinha acontecido, ela expõe sua raiva pela sua condição de mulher. E ele por sua vez, desperta para perceber a Mulher que aquela garota era, mesmo sabendo que ela pertencia ao Griffith. No desenrolar da trama ela se entrega ao Guts, mas sua fidelidade e amor estão ligados ao Griffith. Assim, a garota que partilhava o sonho de servir ao líder do bando do falcão, vai ser marcada durante a trajetória da história como um sacrifício, vai ser estuprada por Griffith, vai engravidar e abortar um ser (horrendo) que aparece e desaparece na forma de uma criança, vai perder sua memória, suas habilidades guerreiras, vai ficar vulnerável como uma criança que nem fala, se expressa por guinchos, e vai ser a única razão para Guts continuar vivendo, mesmo ela o odiando. A grande jornada de Caska é para retornar a sua lucidez, roubada por tamanhas tragédias que se abateram sobre ela. Personagem forte e marcante com destino crucial traçado, uma sobrevivente do universo de Berserk.



Guts:




O herói da história, sobrevivente de tragédias similares ás de Caska, ele é um misto de Sir Lancelot, Ulisses da Odisseia e o mito do cavaleiro negro (ele fica conhecido no mundo do enredo como o Espadachim Negro). Guts nasceu de um corpo morto de mulher durante uma incursão militar. A mulher do Gabino – um mercenário itinerante - que não tinha filhos,encontrou o menino no sangue da mãe e apesar do marido afirmar que essa criança era sinal de mau agouro, ela teimou em levar o Guts e não deixá-lo virar comida de chacal. O tempo passou e Guts aprende na tenra infância as artes da espada. Sempre empunhando uma espada maior que sua própria altura, ele se torna um mercenário mirim que dava todo seu lucro para a ambição do Gabino, que após perder a esposa para uma doença que a consumiu lentamente, passa a culpar Guts por todas as coisas ruins que passam a ocorrer na sua existência. Ele “vende” Guts para um companheiro de acampamento por um preço fixo, já que o menino(entre 9 e 10 anos) era virgem e assim, Guts é abusado de forma ultrajante, amordaçado e amarrado, sob o corpo de um verdadeiro monstro, que fala que só está tomando posse daquilo que comprou.
Depois do ocorrido - que deixa dores terríveis na psique de Guts, até o ponto dele lembrar-se desse episódio quando transa pela primeira vez com a Caska, quase a matou lembrando-se do ocorrido-, Ele muda totalmente: mata o seu padrasto e o homem que o violou. O fato de ter sido abusado sexualmente, aumenta seu ódio e desejo de vingança em relação ao Griffith, também mantém sob rédeas restritas seus impulsos sexuais. Desejado por mulheres e até mesmo pela rainha demônio, Guts perambula no limiar entre a lucidez e a loucura, guardando dentro de si uma força sobrenatural em forma de chacal. Perdeu seu braço esquerdo e seu olho direito no dia do banquete do sacrifício, a despeito de todas as expectativas, um humano que luta contra deuses, contra os desígnios de sua morte. Por pertencer ao Griffith, ele e Caska recebem a marca do sacrifício, que o condena a não poder mais dormir durante a noite, mas seu único objetivo é proteger a Caska até ela recuperar sua memória e seu desejo de vingança contra aquele que o traiu enquanto amigo. Ao seu redor, arregimenta-se as forças do bem, consolidados na figura de outros personagens e até de uma pequena bruxa e um elfo que teima em andar com ele, para o curar e aliviar de suas dores.
Guts recebe a Berserk Horme, Uma armadura negra “viva” que consome sua energia vital e sangue em troca do poder para derrotar qualquer hoste sobrenatural. Protegido por Nêmesis, tornou-se do ovacionado capitão do Bando do Falcão em um desconhecido que empunha uma espada maior do que ele mesmo, usa uma prótese mecânica e é cego de um dos olhos, misturado ás multidões de pessoas que fogem dos fronts de guerra. Guts é o mesmo. Bruto, arredio, leal e extremamente corajoso. Sua essência permanece inalterada e sem dúvidas, alcançará patamar superior para poder lutar de igual para igual com o seu opositor. Ao vê-lo depois de anos, Griffith sentiu seu coração inerte e frio, transformado pelo poder sobre humano, pulsar. Excelente figura de herói forjado nos campos de batalhas, nos dilemas mentais humanos, nas tragédias que cercam a vida humana. Vejamos se como Ulisses da Odisseia, ele rejeitará a imortalidade.


Farneze e Sérpico:




Os irmãos Farneze e Sérpico são oriundos de família nobre, ela é herdeira legítima e ele filho bastardo, meio irmão dela por parte de pai. Ele foi salvo por ela na infância e se torna o brinquedo particular da irascível e caprichosa pequena. Uma relação a beira do incesto, em que duas almas perdidas buscam a luz que as liberte das trevas interiores. Ambos se tornam membros do Tribunal do Santo Ofício e membros de um grupo restrito de inquisitores que perseguem e capturam o Espadachim Negro. Farneze ver em Guts a luz que asperge sua densa treva e resolve seguí-lo, independente do seu status e responsabilidade pessoal. Sérpico a segue como seu protetor e guardião. Sérpico é excelente espadachim, só não se iguala a Guts na força. Perigoso, astuto, passa a perceber a mudança íntima de sua irmã no decorrer da jornada. A mimada e voluntariosa Farnezee se torna a protetora e cuidadora de Caska e aprendiz de feiticeira. Guts aceita sua companhia com o intuito de cuidar de Caska, já que ela o odeia e tenta de todos os modos ficar distante dele, colocando-se em perigos inúmeras vezes. O destino dos dois irmãos, que partilham o sangue e a perdição, estão intimamente ligados ao destino do herói da narrativa.


Silke e Isidoro:

A pequena bruxinha responsável pelo controle do "eu" de Guts no uso da Berserk horme, e mestra da magia que prepara a Farneze para ser uma bruxa e Isidoro, o pequeno ladrão que segue Guts na esperança de que ele o ensine as artes da espada. Esses dois são elementos puros e divertidos, responsáveis pela integridade física e psíquica do herói.




Rickert:



O pequeno e corajoso Rickert era membro do antigo bando do Falcão, juntamente com seu irmão mais velho sacrificado no dia do eclipse. O único que não recebeu a marca e ficou responsável por Caska durante dois anos depois do ocorrido. Ele recebeu os corpos quase mortos de Guts e Caska depois do eclipse e se tornou um exímio ferreiro. Adotado por um velho artífice ferreiro e sua neta, Rickert fez um cemitério de espadas para todos os mortos durante o banquete do sacrificio. Mesmo sabendo por Guts o que Griffith fez, esse menino que aos poucos toma a estatura de homem não consegue odiá-lo. Mas se recusa a serví-lo. Deixa bem claro que serve ao Griffith do Bando do Falcão original e não ao Falcão Branco. Humano, fraco, sincero e puro,ele se posiciona diante de Griffith como um homem precoce decidido em fazer o que julga certo e proteger quem ama. E isso ele faz ao lado de Guts. Sua existência é um enigma dentro da história ainda não terminada.


Berserk traz à tona elementos da história universal, da Inglaterra dos Tudor, das relações de poder entre o religioso, o político e os casamentos das casas reais. Mostra cotidianos de pessoas comuns e de pessoas especiais. Trás elementos das obras Sonho de uma noite de verão e Macbeth de Shakespeare, o reino de encanto da magia, de seres fantásticos e sobrenaturais, das bruxas, elfos e seres mitológicos, até os abismos de violências e desejos de vontade e poder que nos faz os únicos seres capazes de percebermos nossa temporalidade. Depois de 26 anos ativo, Berserk ainda tem muito o que desvelar nessa narrativa trágica.